20070702

Das raízes da regionalização e dos seus apóstolos

«A realização e perpetuação de um movimento de massas dependem da força. Um movimento de massas declarado é uma coisa implacável, e a sua gestão está nas mãos de fanáticos implacáveis que usam as palavras somente para dar um ar de espontaneidade a um consentimento obtido por coacção. Mas estes fanáticos só podem entrar e tomar as rédeas depois de a ordem dominante ser desacreditada e perder a fidelidade das massas. O trabalho prévio de minar as instituições existentes, de familiarizar as massas com a ideia de mudança, e de criar uma receptividade à nova fé, só pode ser efectuado por homens que sejam, primeiro e antes de mais, eloquentes ou escritores e que sejam reconhecidos como tal por todos.»

«Desde que a ordem existente funcione mais ou menos capazmente, as massas permanecem essencialmente conservadoras. Podem pensar em reformas mas não em inovação total. O extremista fanático, por mais eloquente, parece-lhes perigoso, traiçoeiro, impraticável ou até insano. Não o escutarão.»

Eric Hoffer - Do Fanatismo - Edição guerra e Paz.

Notas:

1- Quando Hoffer atribui ao escritor um papel de liderança num movimento de massas, devemos fazer o devido "aggiornamento" e incluír os bloggers.

2- Existirá um clamor popular pela regionalização? Esse clamor é trans-regional?

3- Hoffer entende que a legitimação de um movimento de massas ocorre sempre a posteriori. Ele é definido por um grupo de crentes iniciais e depois ganha legitimidade através da conversão popular. Os actuais regionalistas convictos já pensaram que o movimento só pode avançar numa lógica de conquista do apoio/legitimação popular?

4- Em grande parte do interior do país, o maior empregador é o estado. Estarão esses portugueses convictos e dispostos a cuspir no prato onde têm comido?

5- Numa lógica de ruptura com o actual status quo admnistrativo, a história é um dado a reter. A última reforma administrativa encontrou profundas resistências populares. Foi feita com base num modelo "downsising".

A história repete-se? O país é fundamentalmente o mesmo?

6- A tónica da desacreditação do modelo centralista (actual) pode ser contraposta a quais bons exemplos de regionalismo já existentes?

Sem respondermos previamente a estas perguntas, o processo dificilmente poderá ter pernas para avançar pois terá por base uma dinâmica voluntarista e sem estruturação/legitimação popular.


2 comentários:

Jose Silva disse...

Caro Júlio,

O principal problema de Portugal é ignorância.

E até nestes assuntos ela existe. As massas e as elites estão sobretudo descontentes com a unipolarização do desenvolvimento em Portugal. Mal a conseguem descrever, quanto mais desenhar uma resposta. A simples é Regionalizar. As complexas são: Fusão de Autarquias até chegarem à dimensão de mini-regioões; Círculos Uninominais; Obrigatoriedade de desconcentração da administração pública; Efectiva modernização administrativa.

O problema é que neste momento é preferível uma má Regionalização a nenhuma, e é o que vai acontecer.
Em Portugal temos difuculdade em antecipar e implementar o futuro. Andamos sempre atrasados e apressados.

Ventanias disse...

Ora, meus caros José Silva e Júlio Silva Cunha, é precisamente aí que reside o papel mais alto dos líderes políticos:

- primeiro terem uma visão para o País;

- depois, promoverem-na junto dos eleitores (decisores ultimos em democracia);

É esta uma das principais falhas da nossa elite. Sob a capa/desculpa da tecnocracia, esconde-se uma total ausência de visões para o País...

Por outro lado, o Povo já sentiu, na minha intuição pelo menos, que o modelo centralista, partidocrático, tem coartado o desenvolvimento do País. O terreno está fértil. É hora de aparecerem novas ideias e novas visões. Sob pena de cairmos nas soluções fáceis e mal pensadas, para mais uma vez desbaratar-mos o nosso futuro.

É verdade que, da maneira que as coisas estão, até uma má regionalização é melhor que nenhuma. Mas seria uma pena perdermos uma oportunidade dessas...

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