20070713

Poder!

A tão decantada globalização já é coisa antiga. Imaginem que há quem sustente – com fundadas razões – que a primeira grande operação de globalização partiu daqui bem perto donde vos escrevo: precisamente de Lordelo do Ouro, local de construção e reunião da grande expedição a Ceuta liderada pelo Infante D. Henrique. No entanto, desde a última década do séc. XX, até aos dias que correm, vários factores potenciaram e aceleraram o processo de globalização económica em curso: mudanças políticas inimagináveis ainda há poucas décadas, o grande desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicações – a aldeia global -, a facilidade de transporte, a grande facilidade de circulação de capitais e a emergência dum conjunto de mega empresas globais, presentes em todos os pontos do mundo e com grande capacidade de escapar às regulamentações dos estados individualizados.

Dos factores políticos, um dos mais importantes foi a queda do comunismo soviético que teve como consequência mais expressiva a entrada dum grande conjunto de países da Europa de Leste no sistema capitalista ocidental. Deixaram de estar isolados do sistema económico mundial e entraram nele em força, esforçando-se por se tornarem o mais competitivos possível, aproveitando as vantagens que lhes eram próprias, mais estruturais como o alto nível educacional das suas populações, e outras mais conjunturais como a mão-de-obra mais barata, uma maior desestruturação sindical e uma regulamentação laboral muito menos densa e mais flexível. Outro factor, talvez ainda mais importante, foi a integração definitiva da China no sistema de comércio internacional que a par com a sua industrialização galopante – em conjunto com a Índia – veio transformar definitivamente o panorama global.

Este quadro afectou gravemente a economia de países de nível de desenvolvimento intermédio como é o caso de Portugal, em particular a Região Norte, que assentavam o seu tecido económico em indústrias de mão-de-obra intensiva e baixo valor acrescentado. Os produtores de produtos industriais baratos viram-se subitamente ultrapassados por produtores muito mais eficazes e ainda mais baratos como a China. Na Europa, e também nos EUA, onde ainda subsistiam indústrias que assentavam apenas na produção intensiva sem grande valor tecnológico, encontram-se hoje regiões em franco processo de desindustrialização forçada pelas circunstâncias objectivas do mercado mundial. Alguns, mesmo nos sectores mais tradicionais, acordaram cedo para a realidade e modernizaram-se apostando na criação de marcas de qualidade e na introdução de factores que induzem grande valor acrescentado como o design, o controlo de qualidade e o marketing. Aproveitaram eles próprios a globalização e deslocalizaram a sua produção para os países em industrialização crescente, ficando nas suas sedes apenas com as funções de topo na cadeia de valor. O exemplo mais próximo de nós e mais paradigmático é, talvez, a galega Zara. Aqui na Região Norte alguns também já começaram a dar passos firmes nesse sentido. Estão no bom caminho.

A emergência de organizações internacionais e regionais de governo, também elas grandes factores da globalização, vieram retirar parte do protagonismo antigamente reservado aos estados nação, de génese oitocentista, que cedem poder e capacidade de decisão em favor destas. A União Europeia é o maior exemplo, e o que mais nos interessa, destes mecanismos. Esta, apesar da crise que atravessa actualmente, parece ser um processo irreversível.

Hoje, um qualquer acontecimento relevante no mais remoto local do mundo é imediatamente transmitido, muitas vezes sincronicamente, para todo o mundo e desenrola-se perante uma verdadeira audiência global. Isto provocou uma verdadeira revolução de mentalidades. Passou-se do nível nacional para o nível global. Uma perspectiva global significa que as pessoas quando formulam a sua identidade já se referem a outros contextos que não o do velho estado nação. O processo de globalização encarrega-se de acelerar esta mudança.

Como contraponto a este processo, e numa época em que o estado nação perde capacidade simbólica e identitária, assiste-se ao ressurgimento poderoso de algumas identidades locais. Na Europa, por exemplo, assistimos hoje ao regresso em força da identidade escocesa, basca, bretã, catalã e outras. Muitos na Escócia ou na Catalunha estão mais inclinados a declararem-se escoceses ou catalães – ou simplesmente europeus – do que britânicos ou espanhóis. Também em Portugal a dicotomia norte-sul, goste-se ou não, é cada vez mais evidente.

O estado nação português, que sempre se concentrou na capital - capital que foi sempre incompetente para potencializar o país e vive desde o sec. XVI à custa das várias “pimentas” que ao longo dos séculos tem conseguido angariar – encontra-se assustado e acossado. As suas oligarquias, apavoradas com a perspectiva de poderem perder o estatuto que sempre lhes garantiu o rendimento fácil, deitam mãos de todos os meios possíveis para manterem as suas prebendas. Daí o furioso processo concentracionário em curso em Portugal. No campo da propaganda contam-se os processos de hipervalorização das selecções de futebol e certas campanhas contra todos os que tenham veleidades de Poder, em qualquer campo, não sancionado pelas elites lá sedeadas. Recorre-se com frequência ao assassinato de carácter e até à manipulação do sistema de justiça que é mantido em estado comatoso por interesseiras razões. A ineficiência da justiça enfraquece a democracia. Também estas elítes já descobriram que hoje em dia, muito mais do que os estados, são as cidades e as regiões por ela potenciadas que competem entre si e já não os velhos estados nação que nem sequer a política monetária já controlam. Devido à manifesta falta de dimensão para se tornarem numa cidade global, sonho que alimentam, partiram para uma estratégia de verdadeiro saque de tudo o que represente riqueza e poder no restante território, transferindo-os, a todo o custo, e recorrendo a toda a espécie de argumentos, para a região onde estão instaladas.

A Área Metropolitana do Porto, em conjunto com o restante noroeste, é uma região de potencial demográfico e económico de 3,3 milhões de pessoas, que em colaboração com a Galiza - com a qual temos ineludíveis laços antropológicos, linguísticos e socioeconómicos - sobe para 5 milhões. É constituído por uma área metropolitana e um conjunto de cidades médias de elevado potencial. É até uma das maiores conurbações da Ibéria (clicar na imagem para aumentar) só com paralelo em Madrid e na Catalunha, suplantando Lisboa. Tem enormes vantagens comparativas: é mais jovem, cresce ainda naturalmente, tem um conjunto de universidades de enorme qualidade (Minho, Porto e Aveiro), sendo uma delas a maior e a mais conceituada internacionalmente – a do Porto -, 11ª a nível ibero-americano e por si só responsável por mais de 20% da investigação científica em Portugal. Toda esta região é ainda uma das mais industrializadas da Europa e a que mais exporta no contexto nacional, garantindo desse modo algum equilíbrio à balança de transacções correntes que outros se encarregam de desequilibrar.



















Sendo assim o que nos falta? PODER! O que nos falta é Poder. Governo próprio. Capacidade orçamental e fiscal para decidirmos sobre o nosso próprio futuro. Poder para escolhermos os nossos próprios governantes e não ficarmos limitados a escolher entre as várias opções que nos são impostas pelos directórios dos partidos do sistema centralista que apenas autorizam aqueles que, por muito folclóricos e pretensamente regionalistas que sejam, eles sabem que nunca os incomodarão verdadeiramente. O Poder atrai dinheiro. Sem Poder o declínio não poderá ser invertido. O Poder conquista-se. O Poder não cai do céu. A única coisa que cai do céu é chuva.

Conquistado o poder poderemos partir para a construção duma sociedade moderna, aberta, urbana, cosmopolita e desenvolvida que tenha como foco das suas preocupações o bem estar dos seus membros. Venham eles donde vierem.

15 comentários:

Jose Silva disse...

Pois, tem razão. O Norte precisa de ambição e não de sebastianismos galaicos.

Anónimo disse...

"a do Porto -, 11ª a nível ibero-americano e por si só responsável por mais de 20% da investigação científica em Portugal. "

Lembrei-me agora daquele dado que alguem disse no pros e contras.
Portugal investe 70 ou 80% de dinheiro em investigação cientifica no centro e apenas 6% no Norte.
Penso que até foi o Rui Moreira que disse.
O Norte ou Porto com apenas 6% faz o que faz, imaginem se tivesse mais dinheiro.. se tivesse governo proprio... enfim..

Anónimo disse...

Gostei do seu artigo. Foca bem o essencial das nossas lacunas e defeitos. Realmente o principal e´que nos falta poder.

"Portugal investe 70 ou 80% de dinheiro em investigação cientifica no centro e apenas 6% no Norte."

realmente, se com 6% um valor muito abaixo, fazemos o que fazemos, imaginem se o bolo fosse bem distribuido..

às vezes ponho-me a pensar, se o norte de portugal fosse independente desde ha alguns anos, o resto de Portugal já estaria a milhares de kms da nossa riqueza, desenvolvimento, qualidade de vida e poder de compra.

Anónimo disse...

O José Silva gosta muito de rotulos, talvez o rotulo que lhe assente melhor seja mesmo o de sebastianista galaico.
Afinal de contas, o unico a falar em sebastianismo galaico é o José Silva.
Depois de ler este texto tão politicamente correcto é pro-globalização do Antonio Alves, dou especial importancia ao ultimo paragrafo.
“Conquistado o poder poderemos partir para a construção duma sociedade moderna, aberta, urbana, cosmopolita e desenvolvida que tenha como foco das suas preocupações o bem estar dos seus membros. Venham eles donde vierem.”
Não me leve a mal, mas o meu voto o Antonio Alves não levaria de certeza, apesar de reconhecidamente eu concordar com alguns dos seus textos.
Abrir ainda mais as portas do norte à imigração terceiro-mundista (é o que está implicito nesse paragrafo)?
Não, obrigado.
A existir o hipotetico partido do norte, este teria ser para proteger e defender a nossa identidade, e não para a hipotecar para todo o sempre.
O Porto não é uma cidade afro-asiatica (apesar de se estar a aproximar rapidamente disso), se gostam muito de Lisboa o melhor será mesmo irem para lá em vez de tentarem transformar o Porto numa cidade parecida com Lisboa.

Luís Bonifácio disse...

O que é triste é que já em 1986 se sabia que a indústria baseada em mão-de-obra intensiva estava condenada, mas os industriais e o próprio governo preferiram ignorar isso e enterraram milhões numa indústria sem futuro, ao invés de usar esses mesmos milhões para alterar a paisagem económica.
Ao governo faltou o engenho e aos industrias faltou a visão

Anónimo disse...

Caro Suevo,

Como prezo acima de tudo a liberdade e a democracia reconheço-lhe todo o direito a ter as suas opiniões,a defendê-las e divulgá-las, embora, obviamente, especialmente no campo que invocou, não concorde com elas. Cada um mija com a sua. A minha é outra e não pretendo usar mais nenhuma. :-)

Anónimo disse...

Deixemos as brincadeiras e vamos ser práticos.

“Poder para escolhermos os nossos próprios governantes e não ficarmos limitados a escolher entre as várias opções que nos são impostas pelos directórios dos partidos do sistema centralista que apenas autorizam aqueles que, por muito folclóricos e pretensamente regionalistas que sejam, eles sabem que nunca os incomodarão verdadeiramente.”

Como o sistema não lhe permite isso, o que defende o António Alves para alterar a situação?
Fala em chegar ao poder, mas não revela como, já sabe que partidos políticos não está autorizado a criar, então como pensa chegar ao poder?

Uma revolução?

É que a solução do "partido do norte" pura e simplesmente não é solução.

Anónimo disse...

Caro Suevo,

Pode começar, como um movimento político/social. Crescer, arregimentar militantes, financiamento, quadros, relevância social, pressionar e depois duvido muito que o sistema tenha forças para se opor. Os sinais de decadência do actual sistema de partidos é evidente. Ao primeiro abanão ruirá. E depois, pode-se sempre contornar a constituição. Não faltam exemplos disso na cena política actual.
Revolução? No limite, porque não? Se nos pretenderem reduzir à indigência porque não?

Jose Silva disse...

Não seria a primeira revolução a começar no Porto...

Caro Suevo,

Se tiver disponibilidade para tal, PF explique as razões da sua luta etnica/racial ou lá o que é. Você parece ser um individuo inteligente e essa obsessão tem que ter algum fundamento. Só espero que não tenha a ver com acontecimentos da sua vida pessoal explicáveis por Freud.

PMS disse...

"às vezes ponho-me a pensar, se o norte de portugal fosse independente desde ha alguns anos, o resto de Portugal já estaria a milhares de kms da nossa riqueza, desenvolvimento, qualidade de vida e poder de compra."

O fim do centralismo por si só não garante o desenvolvimento.
É uma barreira, mas o desenvolvimento é possível mesmo com centralização (que deve ser combatida)

Anónimo disse...

“Não seria a primeira revolução a começar no Porto...”

O problema nem é a revolução começar no Porto, o problema é que qualquer revolução que comece no Porto anseia sempre chegar a Lisboa.

E vocês sabem tão bem como eu que não existirão revoluções no horizonte próximo. As formas de luta estão resumidas ao “político” pelo menos no curto prazo. Para grande parte do povo, desde que haja algum dinheiro, vinho, futebol e possam dar umas ..., o resto tanto lhes dá.

As razões para aquilo a que chama luta étnica/racial são muito simples de explicar.
Na minha opinião, e já sei que a vossa é diferente, a imigração é das maiores ameças à identidade do Porto e do Norte. Nós vemos os nossos melhores a partirem para bem longe, gerações e gerações do nosso povo foram para bem longe, muitas vezes por razões economicas.
Actualmente o problema é ainda mais grave, já que a uma emigração dos nossos, juntamos uma imigração terceiro-mundista. E se os alguns dos nossos que partem são do melhor que cá temos, os imigrantes que vêm para cá só podem ser dos piores. Sim, porque um imigrante para vir para a região mais pobre da europa ocidental só o faz porque não lhe resta nenhuma outra alternativa, se pudessem ir antes para Londres ou para Paris certamente não estariam cá.
Por exemplo, a Bélgica actualmente pode orgulhar-se de ser um brilhante serviçal das doutrinas socialistas, liberais, “humanitaristas” e modernizantes que a nova ordem global delineou.
Em Bruxelas, hoje, a maioria da população, 56,5%, é de origem estrangeira.
Se nada for feito, isto será o futuro do Porto, que a si não lhe incomoda nada, mas que a mim não me agrada.

Quem habitará o “norte” que voces defendem? A voces certamente isso não importa. Não pretendo um Porto habitado por arrodilhados perante Meca. Não quero um Porto multicultural, não acredito no multiculturalismo.
O futuro do “norte” passa pela resistencia à aculturação.
Se não actuarmos, já e agora, nesse sentido, as gerações futuras herdarão um Porto geográfica e antropologicamente transformado numa extensão de África. Para mim Lisboa praticamente já é uma extensão de Africa, e nem me refiro só à Cova da Moura na Amadora.

SUEVO

menina-m disse...

it's all just a little bit of history repeating...

quando o afonsinho se zangou com a mãe e com a nobreza do norte, decidindo ir por ali abaixo em vez de investir sobre a galiza (como a teresa e os nobrezinhos todos por aqui fora), ficou o caldo cozido.

desde aí que quem ficou - então não? boa vida, não é quente, há comidinha da boa, terrinhas... - que ressabiou à conta do "poder" que decidiu descer. e, já agora, dar as terrinhas a sul do tejo a tudo quanto era fradezinho. controla-se melhor.

seja coo for, os que cá ficaram lá sustentaram, e sustentam, os sonhos de quem desceu. para o bem e para o mal.
era bom voltar aos 5 reinos? não sei. talvez então houvesse mais escolha.
ou então é do sono.

ou então é porque gostava de saber onde é que o sr. suevo faz os seus testes de identificação genética. a menos que ele seja mesmo dos que acredita nos ermamentos...

lol.

António Alves disse...

Caro Suevo,

Também eu li o Tolkien há muito anos - muito antes dos filmes -, também eu fico encantado com todo o misticismo das armaduras, das espadas tamanho xxl e das lutas incessantes e gloriosas batalhas entre o branco e limpo povo da Marca e os execráveis orcs e quejandos. Mas quando fecho o livro sei que tudo não passa de todo um mundo de fantasia imaginado e descrito de forma magistral por um fantástico e genial escritor. Depois de fechado o livro não me ponho a inventar ou a fazer adaptações "etnográficas" ao povo ou região a que pertenço e habito. Fico-me, saudavelmente, pela fantasia e o prazer que a leitura de tais contos me trazem.
Ou você duvida que entre um honesto trabalhador ucraniano, um diligente comerciante chinês e um grunho de boné e argola (cada vez há mais no Porto), por muito calaico, visigodo, suevo ou o raio que o parta que ele seja, eu prefiro os dois primeiros?

Jose Silva disse...

Caro Suevo,

Você está a concentrar-se nos efeitos e não nas causas. Procure lutar contras as causas e deixe lá os efeitos.

De qualquer modo, não percebo o que é que tem contra um negro, chinês, eslaco ou islamico que sejam remediados, medianamente cultos e civilizados. Se eles viessem para cá, você aceitava ?

Anónimo disse...

Caro Antonio Alves

Não se trata do Tolkien, nem de nenhuma especie de ficção.
Apresentei-lhe apenas um exemplo, na Belgica, onde alias existe o Vlaams Belang, um partido separatista com um discurso que me agrada e que consegue mais de 30% dos votos na Flandres. Repito, não é ficção.

Quer o Antonio Alves quer o José Silva falam em chineses, ora eu não consigo entender quais são as vantagens da imigração chinesa para o Norte de Portugal.

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