Existe um português padrão?
Sim. O português falado e escrito na universidade de Coimbra chegou até à capital com o retorno dos estudantes recém licenciados e dos mestres que entraram nos sucessivos governos e que produziram a mais variada legislação. Essa fala universitária chegada à capital ditou a norma oral e escrita de uma língua nascida a norte.
O português falado a norte manteve durante séculos uma identidade própria. Agostinho da Silva defendia que o português falado em territórios montanhosos tinha tendência a fechar-se vocalmente, enquanto que em grandes espaços abertos, a língua lusa abria-se a uma vocalização fonética mais intensa.
Hoje em dia, a uniformização linguística é ditada pelo padrão da capital. Esta batuta provocou uma razia nos variados regionalismos linguísticos.
O problema é que o discurso vindo de Lisboa tende constantemente a ridicularizar e a ostracizar essas regionais formas de expressarmo-nos em português. Reparem que a televisão é o maior mecanismo de padronização linguística e de supressão dos regionalismos. O fenómeno é comum a países de línguas latinas - vejam o caso da Itália, onde ao toscano escrito, se sucedeu o televisivo romano e o lombardo (talvez esteja aí parte da razão de ser da conflitualidade itálica!) - mas em Portugal, o caso é preocupante e raia os foros de limpeza cultural.
Todos os programas de comédia televisiva têm como alvo de chacota linguística, o português do Porto ou o do alentejo. O primeiro é sempre ridicularizado como sendo parte da identidade de um conjunto de gente atrasada, mafiosa, provinciana, rude e ignorante. O "alentejano" é a língua dos burros e dos lerdos. As particularidades línguísticas destas regiões são alvo constante de escárnio público. O lisboeta, açoriano ou madeirense são sempre vistos de forma mais ligeira, como uma espécie de exotismo indolor. Mas a fala do norte ou alentejana têm sempre associadas figuras que denitificamos com as piores características humanas. O exotismo não é exaltado, é apenas alvo de troça e de xacota.
Esta constante colagem, "regionalismo linguístico-atraso social", induzem um "apagamento" e um auto-condicionamento cultural dos habitantes dessas regiões. Ninguém quer ser identificado com a vilania, a ignorância e o atraso. "Falar como a capital", é falar como os vencedores!
O regionalismo linguístico tem sido um alvo deliberado da comédia lusa. As televisões fomentam essa atitude, e sendo este meio comunicacional, o mais influente, não é de admirar que toda uma mundividência linguístico-cultural venha a desaparecer. É um património cultural que se perde por força do centralismo mediático.
Nota: Quer as televisões estatais quer as privadas, todas elas têm sede na capital. As televisões usaram vários "pivots" nortenhos. Todos eles tiveram que utilizar o padrão linguístico da capital para se poderem impôr!
33 comentários:
Brilhante texto.
Tenho já em reserva um conjunto de textos / pensamentos a partilhar sobre o assunto. E desmascarar a perseguição constante ao falar não lisboeta.
Há que dizer ainda que a questão do sotaque revela sempre muito provincianismo.
Para o lisboeta existe o sotaque do Porto (que pensa ser o único do Norte). Mas este sotaque não existe. Existem vários sotaques no Grande Porto.
O "fozeiro" (+cascais), o "ribeirês" (+ carregado), o "gaiense" (com particularidades próprias), o "piscatório" (mais áberto), o "classe média" (mais suave), o "inverso" (trocar os v's pelos b's: "vomveiro", "travalho").
E esta diversidade, especialmente rica no Grande Porto (e mesmo no Porto), não é menor no Norte. É o falar do minho, porto, douro, chaves, ovar, igual?
Até dentro do proprio Minho, existem diversos sotaques: Braga,Fafe,Famalicão,Viana,Vale do Minho...
Parte de nós combater isso, nomeadamente a ideia passada pelos media de que a maneira como se fala ou como se faz todas as outras coisas em Lisboa é que é o correcto.
Um belo dia, num táxi em Lisboa, a propósito do buzinão, o taxista produz a seguinte afirmação:
- a sorte do Governo é isto não se passar no Norte.
Embora seja nortenho, aliás portuense, não percebi o que significava, por isso questionei-o; a resposta diz muito sobre a falta que o Norte faz ao País:
- se fosse no Norte, já tinham deitado as portagens a baixo.
Há, ou pelo menos havia, uma maneira de fazer as coisas no Norte. Não ficávamos à espera. Quando havia um problema, resolvia-se.
Em Lisboa, pelo contrário, vice-se da imagem. Nunca ninguém tem um desastre qualquer; há sempre uma justificação superior que perfeitamente explica que aquele acidente é um degrau necessário de uma escada que se está a subir deliberadamente.
Por conseguinte, não é só na linguagem que o Norte devia recuperar o seu orgulho. E contrapô-lo à atitude lisboeta de viver para a imagem. É preciso fazer coisas. É preciso ter orgulho em fazê-las. É preciso ser alguém, não basta parecê-lo.
Deve ler-se:
"Em Lisboa, pelo contrário, vive-se da imagem."
As minhas desculpas.
é bom falar desse problema, mais um problema da colonização lusa.
De facto a nossa lingua deveria ser escrita e falada de maneira diferente, mas tem-se perdido e agora a nossa pronuncia é muito pouco usada, talvez apenas nas aldeias mais isoladas.
Aconselho vivamente a que leiam o artigo do Antonio Lugano sobre a nossa lingua Galaico-Portuguesa.
http://gallaeciaeuropa.blogspot.com/2007/06/assim-se-entende-gente-15.html
http://gallaeciaeuropa.blogspot.com/2007/06/assim-se-entende-gente-25.html
http://gallaeciaeuropa.blogspot.com/2007/06/assim-se-entende-gente-35.html
http://gallaeciaeuropa.blogspot.com/2007/06/assim-se-entende-gente-45.html
http://gallaeciaeuropa.blogspot.com/2007/06/assim-se-entende-gente-55.html
ja agora mais sobre o mesmo autor acerca do tema
http://gallaeciaeuropa.blogspot.com/2007/05/colonizao-cultural.html
e este texto que redegalaica.blogspot.com aconselha
http://legiaoinvicta.blogspot.com/2006/01/universidade-do-minho-ensina-galego.html
do qual retiro
"Por exemplo o nome deste blogue escreve-se “legião”, no entanto qualquer portuense que não sofra as influências da variante lisboeta diz “legiom” tal como os Galegos. Qualquer galego ou portuense diz “legiom inbicta”"
É triste
Perdemos a nossa pronuncia, a nossa escrita, a nossa naçom, perdemos a consciencia da nossa identidade (todos os galaicos do norte de portugal pensam que sao lusos), e futuramente perderemos a nossa identidade etnica para sempre, esta sem hipotese de ser recuperada no futuro
Caro Carlos,
Confesso que não me parece muito relevante como se diz legião ou legiom. Qualquer das formas me parece aceitável, embora uma delas esteja mais perto do português padrão.
Não vejo qualquer problema com as normas linguisticas (excepto quando não se reconhecem doutrinas divergentes legítimas, optando pela "centralista").
Não acho é aceitável que se façam julgamentos morais por causa do sotaque das pessoas. E é isso que se passa no nosso país. Xenofobia pura.
Que se note que o sotaque de Lisboa não é correcto. O padrão é da Beira litoral.
Ainda hei de dar um conjunto de exemplos do que são deturpações do português correcto, e que fazem parte do imaginário do "correcto" falar português.
E mais uma vez, o problema é o julgamento moral. É inaceitavel.
Boa Pedro!
Concordo contigo! Então essa da "Beira Litoral" é muito justa!
João Moreira
Excelente !
graças adeus temos o porto canal,
onde a pronunçia é Tripeira.
Mais ainda: a imposição mediática de certos valores como valores nacionais quando não o são de todo. Veja-se o caso das touradas, do fado e do benfiquismo. As tv's e jornais ao serviço da manipulação das consciências gostam de fazer crer que estamos perante 3 grandes tradições culturais portuguesas quando na verdade - FELIZMENTE!- não o são. As duas primeiras são até coisas execráveis que qualquer ser humano decente deve rejeitar liminarmente. O sacrifício de animais em público para gáudio dum conjunto de humanos cobardes e selvagens e uma forma de canção que faz a apologia da indigência, do proxenetismo e do fatalismo são coisas que felizmente a Norte nunca pegaram muito (o Porto destruiu a sua última praça de touros há mais de 100 anos). Quanto à terceira: Já teve melhores dias.
antonio alves tens razao, mas penso que o pior é mesmo o nosso povo não saber a sua identidade, as suas origens, a sua historia.
Se fizermos um inquérito aposto que 99% irá dizer que é lusitano em vez de Galaico.
"As duas primeiras são até coisas execráveis que qualquer ser humano decente deve rejeitar liminarmente."
acho que trocaste a ordem do fado com o benfiquismo ; ) (não resisti à piada, sou sportinguista). Não percebo é porque dizes que o Fado é execrável?!?
porque é "uma forma de canção que faz a apologia da indigência, do proxenetismo e do fatalismo" e acrescento ainda, porque me esqueci, do marialvismo. e se insistirem arranjo-lhes umas dezenas de "líricas" para provar o que digo :)
Pedro,
Quando puderes estou interessado nesse estudo. O sotaque existe em todo o Norte e todas elas têm expressões próprias.
Como ninguém é perfeito, tem de ter um (grande defeito): ser lagarto!
Ctos,
João Moreira
joão costa,
99%??????
Ctos,
João Moreira
antonio alves,
não concordo. A Póvoa não a destruiu. O fado tem os seus apreciadores (e não te esqueças que há o fado de Coimbra e de Lisboa, suponho que é a este último que te referes). Quanto às touradas têm o seu público, goste-se ou não. Tem tradição em várias zonas do país.
Ctos,
João Moreira
João Moreira,
não pretendo fazer um estudo muito aprofundado, apenas partilhar algumas formas de falar que se consideram vulgarmente "português padrão", mas que são apenas "lisboeta".
A título de exemplo, o português padrão para a palavra coelho é "cüêlho". Em Lisboa (e tb no Porto) diz-se "cueilho".
Da mesma forma, feijão é "feijão" e não "fêjão" (nem "feijoum").
Se tiver muita curiosidade sobre este tema, pode usar o http://ciberduvidas.sapo.pt/
A título de curiosidade, veja-se este texto: http://ciberduvidas.sapo.pt/pergunta.php?id=11108
"o português apresenta-se como qualquer língua viva, internamente diferenciado em variedades que divergem de maneira mais ou menos acentuada quanto à pronúncia, à gramática e ao vocabulário.O que não significa que o seu uso seja incorrecto. Pelo contrário, ele apresenta apenas características diferentes."
A tolerância à diferença é uma coisinha muito importante.
"Se fizermos um inquérito aposto que 99% irá dizer que é lusitano em vez de Galaico."
Se só tivessem essas 2 hipóteses também não tinham grandes chances de acertar... (são portugueses...)
Pedro,
claro que digo "cuelho" (e escrevo coelho) e feijão. Se bem que, no primeiro caso, a primeira sílaba pudesse dar azo a erros de leitura (da mesma maneira que leio "cubalto" e escrevo cobalto).
Hei-de ir ver as referências.
Ctos,
João Moreira
Não sei se me fiz entender.
A questão não é o "u". É o "ei".
Em Lisboa e Porto dizem "coeilho". É coêlho, no português "padrão".
Sou lagarto, mas pouco. É só por ter as cores da minha cidade (verde e branco). Embora não tenha o brasão...
"porque é "uma forma de canção que faz a apologia da indigência, do proxenetismo e do fatalismo" e acrescento ainda, porque me esqueci, do marialvismo. e se insistirem arranjo-lhes umas dezenas de "líricas" para provar o que digo :) "
António Alves:
Primeiro, historicamente, existe o Fado de Lisboa, o Fado de Coimbra (Balada), e o Fado do Porto.
Diz Francisco Gouveia, especialista em musica tradicional da região norte:
"Com consciência do risco do que estou a dizer, posso afirmar que a música duriense sofreu uma grande influência de um tipo de fado que se extinguiu, o fado do Porto, que foi trazido pela via fluvial."
Pode consultar aqui:
http://www.dodouro.pt/func/printversion.asp?idEdicao=127&id=4869&idSeccao=1290&Action=noticia
Não significa isto que o Fado esteja na matriz cultural do Porto.
Mas faz parte da matriz Coimbrã e Lisboeta. Não é só de Lisboa, mas tb não é transversal ao territorio.
A crítica que faz ao Fado (e que só se poderia aplicar ao de Lisboa), pode fazê-la a vários tipos de música. E o facto é que também haverá letras de grande valor. O que diz do Fado poderia dizer-se do blues, hip-hip, R&B, Quim Barreiros (um senhor!), etc... e não é por isso que têm menos piada.
Para a entrevista ao Francisco Gouveia é preferivel este link:
http://www.dodouro.pt/index.asp?idEdicao=127&id=4869&idSeccao=1290&Action=noticia
Pedro,
Os acentos (circunflexo, grave, agudo,til) e c (cedilhado) são características do (bom) português. Sempre li "coêlho" (aliás, já foi escrito assim). O mesmo exemplo para "ovelha" (há quem diga "oveilha" e não "ovêlha").
É, então lagartito, certo? Deveria valorizar mais o brasão que as cores. Questão de (boa) escolha.
Ctos,
João Moreira
Só usei os acentos para mostrar os diferentes tipos de fonia que se pode usar ao ler uma palavra.
Se diz coêlho, então vejo que nasceu/vive a sul de espinho. Estou errado?
Pedro,
Sim, vivo. Onde disse que se fala português correcto (aliás já o sabia).
Ctos,
João Moreira
Chamemos-lhe antes o português "padrão", vale?
Pedro,
Sim, se bem que etimologicamente não é correcto. Em contrapartida, faz o azo adequado dos fonemas, ditongos orais, nasais e guturais.
João Moreira
falam de acentos, e coisas de menor importancia quando o grande problema é o termos perdido os "oms" e os "bs"
A nossa lingua é com oms e bs. O sul é que a alterou.
naçom, binho, campeom, reserba, etc..
foi ai onde mais desfiguraram a nossa lingua, não nos coeilhos ou outros acentos..
E agora pergunto, algum nortenho (Galaico) quereria adoptar a sua verdadeira lingua e deixar de usar esta versom lisboeta??
As linguas evoluem. O importante é que cada um seja livre de ter o seu sotaque, sem julgamentos morais.
As linguas que não evoluem morrem. Não vejo qual o interesse em falar com um sotaque que já não é o nosso, e que já não existe.
Carlos,
parece-me esta a incorrer exactamente na mesma situação que a mentalidade centralizadora portuguesa. Ou seja, gostava de mudar o sotaque das pessoas.
Cada um tem o sotaque que tem.
O que importa é que possa falar sem ser julgado pela "sonoridade" do que diz.
Se é "ão", ou "om" ou "oum" ou "oumhe", ou "ãn", tanto faz.
Não podemos cair no erro de querer nivelar os sotaques a um sotaque único. Seja qual ele for. Até porque cada pessoa tem uma forma única de falar, enfim, um sotaque único.
Pedro,
Concordo e discordo. É assim: o mais importante não é o sotaque mas a meneira de dizer e o significado que cada expressão tem em cada região, arte, meio rural ou laboral. Há muitas expressões usadas no algarve, No interior Norte, no alentejo, assim como, ligadas à activade piscatória ou da zona rural beirã. Termos característicos e muitas vezes processo de dizer a mesma coisa com termos diferentes.
João Moreira
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