Há um comentário ao meu post de ontem, feito por um Suevo da Legião Invicta, que me inspira a ir um pouco mais longe do que ontem.
Em qualquer sociedade humana, a qualidade do discurso público é marcada pela qualidade dos intervenientes. Ora, por razões que não importa aqui apurar, em Portugal verifica-se que os membros do que poderíamos identificar como a elite objectiva, isto é o topo da pirâmide social nacional, consistentemente se apresenta publicamente como do "melhor que por aí anda", "perfeitamente ao nível do que há de melhor por essa Europa fora". Consequentemente, elogiam-se uns aos outros, e aos respectivos corpos corporativos em geral: "temos uma engenharia ao nível do melhor do Mundo", uma arquitectura que "dá cartas no plano internacional".
Talvez até seja verdade, não me cuida aqui discuti-lo, ainda que tenha as mais sérias dúvidas - como dizia a minha Avó, "a excepção só confirma a regra".
Porém, a verdade é que toda essa qualidade não se repercute no discurso público português. Este, ou é fechado, processa-se entre especialistas e não transparece para fora, ou é fraquíssimo.
Ora, numa sociedade sadia, o papel das elites não é usufruirem benefícios. É desempenharem o papel de ponta de lança do discurso público, nomeadamente. É esse papel que deveria permitir aumentar a qualidade do discurso público, que estimularia o restante da sociedade a interessar-se pelas coisas e pelo conhecimento das suas causas.
Não se espere que daí resulte uma transformação da sociedade num somatório de especialistas. O que se espera é que daí resulte uma sociedade mais informada, com informação mais trabalhada, capaz de escolher mais conscientemente.
Num País em que apenas 35%, aproximadamente, das pessoas com menos de 35 anos completam o liceu, a importância das elites assume um relevo particular e mais preponderante do que noutros países em que o nível cultural médio seja mais alto.
Acrescente-se que as elites não falam só quando se pronunciam. Falam igualmente, e porventura até mais alto, quando se calam. Ora, o silêncio das nossas elites nas últimas décadas em Portugal tem sido ensurdecedor!!!
Como o demonstra a recente discussão à volta da Ota. É verdade que houve uns carolas que se disponibilizaram a subsidiar um estudo que a CIP em boa hora resolveu encomendar. Mas o facto é que foi a clara manifestação das elites, maioritariamente contra ou com dúvidas muito sérias, que permitiu que a opinião publicada se apercebesse e desse relevo a um facto político relevante: o Governo compreendeu que não se poderia eximir a um escrutínio apertado de uma decisão que até nem era da sua especial responsabilidade - visto que até era partilhada por governos de esquerda e de direita, ao longo de quase uma década.
O ponto é que esta manifestação da elite permitiu criar condições para se vir a tomar uma melhor decisão. Ou seja, uma decisão melhor explicada, com consequências mais conhecidas e custos mais transparentes. O que não invalida a responsabilidade política de quem terá de tomar a decisão final, que até poderá ser a Ota, por razões que então se compreenderão melhor.
É esta, precisamente, a principal responsabilidade das elites. De todas; as económicas, as sociais, as académicas, as profissionais e as políticas.
Infelizmente, creio que um balanço da influência das elites no que sucedeu em Portugal nas últimas décadas não será muito generoso. Pelo menos em dois aspectos fundamentais: a degradação do sistema de ensino português e o agravamento da disparidade das condições de vida entre os que têm e os que não têm.
Por outro lado, e para terminar numa nota mais optimista, talvez as recentes movimentações em torno do assunto do futuro aeroporto de Lisboa sejam um sinal de tomada de consciência das elites nacionais.
Foi no sentido aqui exposto que responsabilizei as elites do Norte, das quais, aliás, não me exclui.
Por conseguinte, respondendo directamente ao Suevo, não foi a votação do povo que impediu as elites de defenderem a regionalização; foi, antes, a falta de defesa da regionalização, e sobretudo de uma boa regionalização, pelas elites que impediu o povo de votar a favor.
3 comentários:
Caro Ventanias,
antes de mais benvindo ao norteamos. Não tenho nada a acrescentar ao seu texto.
Gostaria apenas de sugerir (a si e aos outros bloggers) a utilização de "breaks" (linhas de intervalo entre parágrafos).
Para tal, basta escrever "br /" (mas com "<" e ">" no local das aspas) no local onde se quer deixar uma linha de espaço.
Em alternativa, peço ao moderador do blogue que active os page breaks no "settings".
Creio que tornará mais fácil a leitura e consulta de muitos dos bons textos que têm vindo a ser publicados. Convido ainda os bloggers a actualizarem os seus ultimos posts com esta funcionalidade.
Cumprimentos
Estes temas dão para uma reflexão profunda, para a qual certamente este não será o espaço mais apropriado. Deixarei apenas umas pequenas notas.
Quem deveria procurar alterar a actual situação? O “Povo”.
Ora se o “povo” não o faz, é ingénuo pensar que serão as elites a faze-lo, e porque?
Porque as elites têm uma situação previligiada, assim sendo e tendo em conta essa situação é normal que essas mesmas elites se acomodem, afinal de contas se o “povo” não quer saber e quando é o povo quem mais perde… esperar que as elites se arrisquem e se sacrifiquem quando para elas a situação actual nem é má… é que em terra de cegos quem tem um olho é rei.
Outra questão é a qualidade de elite, não só portuguesa mas até europeia e mundial.
Cita o exemplo do sistema do ensino, ora as elites não se preocupam tanto como isso com o ensino porque normalmente têm capacidade de optar pelo ensino que lhes interessa (privado ou até o estrangeiro) para os “seus” . Dificilmente um membro da elite, seja ela económica,social ou cultural estudará no Cerco do Porto (por exemplo).
Falando concretamente da regionalização, a elite que não defendeu a regionalização não o fez por ser “boa” ou “má”, boa parte dessa elite está por exemplo no CDS-PP e no PSD, e esses são todos muito “regionalistas” até aparecer um referendo, porque aparecendo um referendo acabam por fazer campanha contra, boa parte por imposição partidária, mas como têm vergonha de assumir isso arranjam desculpas da “má regionalização” ou do “mau mapa”.
Moral da historia, é sem duvida alguma mais grave o Rui Rio ter votado contra a regionalização do que um membro menos esclarecido do “povo” também ter votado contra, isto porque o Rui Rio sabe muito bem (e sabia muito bem) qual era a realidade.
O mínimo que se pode exigir a essas pessoas é que tenham a dignidade de reconhecer que estão arrependidas, e que alteraram a sua opinião, como fez por exemplo Rui Moreira.
Rui Moreira não está arrependido. Fez é maus cálculos...
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