20071019

Centralismo for Dummies

Alguns comentários ingénuos ou distraídos ao meu artigo sobre a Porto Editora, levam-me a publicar um artigo de Rui Moreira muito pedagógico:

«Há dias, ouvi um amigo lisboeta dizer que o declínio do Porto se assemelha ao que ocorreu há décadas em Coimbra, atribuindo esta decadência a uma deficiente estratégia de articulação entre políticos e elites da região. De facto, nos últimos 20 anos, fomos incapazes de agir de forma concertada, os políticos sucumbiram ou renderam-se ao canto das sereias do poder central, as elites ainda se imaginam herdeiras de um Porto liberal e influente que porventura já não existe, mas são outras as razões primordiais. O Porto só teve protagonismo quando teve poder económico, nos finais do século XIX e logo após o 25 de Abril. Este último foi um fenómeno fugaz que coincidiu com a turbulência da revolução, porque, apesar da perda das colónias, Lisboa mantivera a sua cultura de capital do Império e não tardou em descobrir as suas novas especiarias nos fundos que começaram a chegar por via da adesão europeia. Tal como nas eras dos Descobrimentos e do ouro do Brasil, a chegada da riqueza catalisou o ímpeto centralizador e a cobiça dos cortesãos. A súbita abundância reforçou também uma burocracia opulenta, autocrática e despótica, que ora corrompe ora destrói todos os que lhe tentam fazer frente. O Porto foi vítima deste estado de coisas, não só porque o centralismo ajudou a abater a sua pujança económica, mas também porque, enquanto sede de um modelo alternativo e centro do contrapoder, era o alvo a abater.


Para isso contribuiu o facto de termos estado quase sempre em contraciclo político relativamente ao poder central. Terá sido por fatalismo histórico, ou essa divergência é um resíduo da proverbial irreverência tripeira? Certo é que, durante o cavaquismo, em que a cidade foi liderada por Gomes, a hostilidade do Governo foi evidente na privatização do BPA e na sobranceria com que foi visto o projecto do metro. Com Guterres, chegou a haver convergência, mas a regionalização armadilhada foi um primeiro prenúncio de que os principais autarcas e líderes socialistas do Norte não iriam ter tréguas. A queda de Guterres coincidiria com a vitória de Rio e com o domínio metropolitano do PSD, mas essa efémera convergência com os governos PSD/CDS foi desperdiçada em querelas intestinas. Desde então, a derrota do PS nas últimas autárquicas acentuou a divergência. Estará o Porto a pagar o preço dessa insubordinação? Certo é que o ímpeto centralista que já imperava em Lisboa se "portofobizou". A questão do metro, a privatização da ANA, as opções sobre infra-estruturas, são exemplos dessa política, encoberta por operações mediáticas que sustentam a ideia de que somos o poço dos problemas nacionais. "O vosso aeroporto e a Casa da Música custaram o dobro do orçamentado", dizem-nos, como se fossem casos virgens; "o metro é caríssimo e mal gerido", argumentam, esquecendo a comparação com o da capital. O caso dos túneis é o mais evidente: no de Ceuta, acusaram-nos de discutirem a sua saída como se isso fosse uma prova de que "aquela gente não se entende". Em Lisboa, a intervenção cívica para interromper as obras do túnel do Marquês foi de tal maneira louvada que este não está pronto mas o responsável pelo embargo foi elevado a herói e depois a autarca. Se surgem problemas com autarcas do Norte, vende-se a ideia de que são todos caciques e achincalha-se o eleitorado,


mas se há uma crise na Câmara de Lisboa, passamos a estar todos envolvidos porque o caso é visto como uma questão de âmbito nacional. Tem sido assim também o Apito Dourado, que assobia para Sul e ataca para Norte, apesar dos sintomas de que o aliciamento dos árbitros é uma prática corrente, generalizada e nacional, e que serve para passar a ideia de que os sucessos do FC Porto foram alcançados pela trapaça e de que os nortenhos são batoteiros. Passaria pela cabeça de alguém acusar os lisboetas de pedófilos só porque a Casa Pia e os seus arguidos são oriundos da capital? Mesmo no referendo do aborto, houve quem tivesse o desplante de avaliar a disparidade regional do voto para concluir que as gentes cá de cima são retrógradas e incultas.


Quando a intoxicação já não pode ocultar que o país é governado com dois pesos e duas medidas e que a economia do Norte está em frangalhos, eis que surge na mesa a última cartada: para anestesiar o descontentamento, o PS promete referendar a regionalização. Esta seria bem-vinda - e digo "seria" porque duvido de que seja aprovada -, mas será por mero acaso que só possa ocorrer em 2011, quando já não restarem fundos de coesão para podermos corrigir a mira?


Sócrates limita-se a continuar uma velha mas inconfessada política. Desde os governos de Cavaco que há um propósito de impedir que o Noroeste Peninsular possa vir a ser uma região num futuro mais ou menos distante. Será pela melhor razão, para preservar as fronteiras do nosso Estado-nação? Ora, quando se assiste à submissão dos nossos governos aos interesses de Espanha, seja na política económica (que sucumbe às ordens das suas grandes empresas e não resiste às perseguições às portuguesas em solo espanhol), seja nas negociações dos dossiers da energia e da água, seja na construção do TGV em que se aceita a lógica radial de Madrid, é lícito perguntar: não haverá um plano furtivo para garantir que Lisboa sobreviverá, mesmo que apenas como capital de uma futura região (decalcada no nosso mapa e da qual o Norte não se possa vir a destacar) de uma federação ibérica orquestrada na Moncloa?


Pode ser uma visão catastrófica, mas numa altura em que faltam temas à oposição de direita, é sintomático que esta esqueça a questão do centralismo e o abandono do Norte, que poderiam ser o seu estandarte. Dos partidos à esquerda do PS, a necessidade de proteger a sua clientela eleitoral, que se concentra em grande parte em Lisboa e no Vale do Tejo, e tem nos funcionários públicos (a quem o centralismo convém) a sua maior expressão, não se pode exigir essa visão.


O resultado desta política furtiva está à vista: temos um Estado exíguo, centralista e, a prazo, inviável. Quando acabarem os fundos de coesão, não se imagina como o país poderá continuar a sustentar os seus vícios e não se antevê que até lá seja possível alterar o paradigma. Depois da batota com o mapa das NUT em que a região de Lisboa e Vale do Tejo mingou para poder desviar para os arrabaldes da capital mais alguns fundos de coesão, vamos assistir a um último esforço por desenvolver uma só região que, no futuro, o país não poderá pagar? É essa a nova ameaça ao Porto e a toda a província, como ainda se vai chamando secretamente ao país que não cabe entre as densas colinas da Olisipo.


Como disse Elisa Ferreira, por muito que Lisboa progrida, a sua dimensão nunca permitirá compensar a decadência do Norte e do Centro. A economia destas regiões, que produz a maior parte dos bens transaccionáveis, não suporta o empolamento dos factores de produção não transaccionáveis e dos serviços do Estado que se concentram numa cidade em que o PIB per capita é o dobro do seu. Por isso, se adiarmos a descentralização até que se extingam os fundos de coesão, o país estará falido, o regime em perigo e a nação em risco de desagregação.»

17 comentários:

PMS disse...

Brilhante. A melhor compilação de ideias sobre o centralismo.

sguna disse...

idem

Rui Valente disse...

Se a perspicácia de Rui Moreira fosse transferível para o poder executivo e tivesse coragem para avançar no conspurcado Mundo da política, podíamos talvez dizer:

temos Homem! Hélàs!!!

Anónimo disse...

encontrei neste blogue por acaso. é excelente. o artigo de rui moreira, que li no publico há algum tempo, tenho-o guardado na carteira. junto ao meu coração portuense. agrada-me que haja portuenses assim. rui moreira é, neste momento, o portuense que melhor interpreta a nossa angústia. é por isso que os partidos não querem nada com ele.

Anónimo disse...

Citar Elisa Ferreira?

Os partidos à esquerda do PS são centralistas? Por causa das clientelas (pensei que fossem eleitores!).

Rui Moreira a piscar o olho ao PS.

Sérgio Gonçalves disse...

Tenho pena que braga não tenha um homem assim como o rui moreira para poder defender os interesses das gentes desta cidade.

http://bragablog.blogspot.com

Anónimo disse...

dizer que rui moreira pisca o olho ao ps por citar elisa ferreira é um disparate. é no ps que elisa é odiada.

Rui Farinas disse...

As intervenções faladas ou escritas do Dr.Rui Moreira têm sempre uma qualidade que as colocam num nivel superior. Este artigo é o melhor que ele escreveu e constitui uma análise brilhante dos nossos problemas.

Continuo porém a insistir no mesmo ponto. Diagnósticos há muitos. terapeuticas não vi ainda nenhuma. Se as perspectivas sombrias, mas realistas, de Rui Moreira se concretizarem, corremos o risco de sermos como o doente que sabe o mal de que padece mas que acaba por morrer porque ninguém lhe receita os medicamentos necessários.

Anónimo disse...

A sede de protagonismo de Rui Moreira é um disparate. E elisa milita no MRPP onde é adorada.

luisa moreira disse...

Quem me conhece sabe que tenho muitas vezes criticado o rui moreira. por razoes politicas, por norma, pois não perfilho a sua visão liberal. ainda assim, resolvi escrever porque as criticas do rui valente e do josé manuel faria são contraditorias e, a meu ver, injustas.
moreira tem sido nos ultimos anos um dos poucos membros das elites da cidade e do norte a lutar contra o centralismo concentracuonário. conseguiu que a sua associação saisse da penumbra, é verdade, mas isso tem sido util. o facto de ter uma intervenção cívica não quer dizer que tenha falta de coragem porque talvez seja exatcamente preciso ter coragem para fazer esta guerra de fora dos partidos da direita que é a sua área ideológica nem é por isso que o devemos acusar de sede de protagonismo. nunca o vi condecorado /se calhar estou enganada) nem atrelado ao poder da autarquia. a nós, comunistas, tem-nos tratado sempre muito bem apesar das diferenças ideológicas.
gente como o rui moreira é indispensável, merece ser apoiada, ainda que devamos naturalmente criticá-lo quando discordamos dele.
é uma estupidez caracteristica desta nossa regiao atacarmos os que saiem da cepa torta.

Anónimo disse...

o o gajo sempre mandou fazer o estudo da portela + 1, ou é uma manobra de diversão e sede do tal protagonismo (ou portogonismo...)

Anónimo disse...

Pois é, o Poder central bem podia dar mais dinheiro para a cidade do Porto, e para outras tantas cidades do país, mas uma coisa é certa, não há dinheiro que resolva o problema da mesquinhez, da inveja,da falta de empenho e ideias.Depois culpam o Poder central dos vossos fracassos. Há cidades que com muito menos têm feito muito mais.Boa sorte.

Rui Valente disse...

Cara D.Luísa, da CMP:
Só pode ter-me interpretado mal. Eu tenho também um particular apreço por Rui Moreira, não apenas pelas razões que refere como pela forma honesta como aborada os assuntos. A referencia que fiz à sua "coragem", era mais no sentido de o "moralizar" do que de o criticar. Se tivesse que o fazer, seria bem mais explícito,pode crer.

Anónimo disse...

"teresa ramos disse...

Pois é, o Poder central bem podia dar mais dinheiro para a cidade do Porto, e para outras tantas cidades do país,"

O problema não é só o dinheiro de TODOS os contribuintes do país que em grande parte é "enterrado" em Lisboa, o problema é a falta de organização territorial e planeamento no pais, no interior é o fecho de serviços aleatoriamente , é o total abandono de riquezas como o turismo ou até a agricultura, é o constante "empurrar" de gente para o litoral e Lisboa! Estamos a desperdiçar território nacional!!

"mas uma coisa é certa, não há dinheiro que resolva o problema da mesquinhez, da inveja,da falta de empenho e ideias.Depois culpam o Poder central dos vossos fracassos. Há cidades que com muito menos têm feito muito mais.Boa sorte."

Mas... não será estranho que só em Lisboa haja empenho, ideias e altruísmo!? em todo o resto do pais isso desapareceu!? Obviamente que não é isso! Isso é perceptível se, olhar para o interior espanhol!! A anos luz de nós...
E, eu também acho que Lisboa devia com muito menos fazer muito mais...

PMS disse...

"Pois é, o Poder central bem podia dar mais dinheiro para a cidade do Porto, e para outras tantas cidades do país, mas uma coisa é certa, não há dinheiro que resolva o problema da mesquinhez"

Parece-me a mim que o Poder central deveria dar menos dinheiro a todas as cidades. Aliás, não deveria dar nenhum. As cidades deveriam ser financeiramente autónomas. A dependência do Estado Central conduz a distribuições arbitrárias sustentadas em clientelismos, trocas de favores, e ameaças. É uma situação imprópria do Estado democrático.

Outra coisa que o Estado Central deveria fazer era deixar de intervir no que é a esfera do poder local. Política de transportes públicos urbanos (ex. Metros) ou cultura local deveria ser função das autarquias. É inaceitável que o Estado interfira e atribua dinheiro aos metros de lisboa e porte, que sustente o teatro D. Maria, etc. Isso é função da autarquia.

O Estado, ao tomar para si funções do poder local, desvirtua todo o funcionamento do sistema. Depois, os portugueses divertem-se a falar em derrapagens em casas da música e metro de Lisboa. Como se fosse uma questão da CMP ou CML. Só existe um responsável: o Estado Central. Que curiosamente, esbanjou em projectos que não lhe competiam.

Basta de interferência! O Estado Central não é, nem pode ser a câmara municipal de Lisboa, nem do Porto, nem outra qualquer. Os nossos governantes preocupam-se com os calhaus do terreiro do paço. O povo aplaude.

Todos os burros comem palha...

PMS disse...

"Mas... não será estranho que só em Lisboa haja empenho, ideias e altruísmo!? em todo o resto do pais isso desapareceu!?"

Se existissem ideias em Lisboa, não andava o Estado Central a substituir a CML. E não é aceitável que a CML permita (ou que não proteste).

Jose Silva disse...

Cara Luisa CMP,

Gostaria de convida-la a escrever regularmentes neste blogue.

PF contactar para geral@nortugal.info

Cump
Jose Silva

Leituras recomendadas