20070904

Reabrir ao Tráfego Ferroviário o Douro Internacional (IV)

(Nota de José Silva: Republicação de artigo originalmente publicado pelo Prof Manuel Tão em Junho de 2007)

Antes de prosseguirmos com o desenvolvimento do cenário de reabilitação integral da Linha do Douro ao tráfego internacional de mercadorias – sem prejuízo da sua valência de passageiros e turística, a qual pode ser ainda melhorada em maior expressão – torna-se imperioso rebater a mistificação que ao longo de muitos anos se vem fazendo quanto a uma alegada “incapacidade” de se processarem tráfegos de carga através da chamada “Garganta do Águeda”, comportando a secção de 18 Km entre as estações de Barca de Alva e Fregeneda, onde existem rampas de 20 Milésimas e curvas de raio mínimo da ordem dos 350 m.

Isto é uma mentira e uma falácia técnica grosseira, que, escamoteando a tecnologia ferroviária actual, e as práticas de numerosos exemplos estrangeiros (e nacionais!), vem-se mantendo, alimentada por círculos ligados ao caminho de ferro, designadamente empresas do sector controladas pelo Estado Português, e a quem não tem interessado uma política de desenvolvimento de uma verdadeira rede ferroviária, comportando itinerários alternativos. Muitas vezes, são esses mesmos “especialistas” que depois vão dizer maravilhas dos Caminhos de Ferro Suíços, onde linhas como o Saint Gothard, assegurando os tráfegos de mercadorias mais intensos de toda a Europa, possuem pendentes contínuas de 28 Milésimas.

Mas nem necessitamos de ir tão longe. Basta ver o que é a linha principal de Madrid para as Astúrias entre as estações de Busdongo e Ujo, na Cordilheira Cantábrica, onde há um desnível de mais de 800 m em 49 Km, com um gradiente contínuo de 22 Milésimas e curvas de raio mínimo que chegam aos 200 m. Pois é nessa mesma linha que todos os dias passam comboios de mercadorias com contentores, com bobinas de aço das siderurgias de Veriña para toda a restante Espanha, e comboios de carvão provenientes das minas Asturianas (alguns dos quais até já são operados por privados, como a “Acciona Rail, SA”). E passam lá todos os dias TALGOs e ICs. E que dizer da linha principal de RENFE de Linares e Moreda para Almería? Com rampas de 27 Milésimas? Onde passam composições de minério, de contentores e tráfego de passageiros como o TALGO Almería-Madrid ou automotoras TRD Granada-Almería?

E dentro de Portugal? A linha Ermidas-Sado ao Porto de Sines, onde passam os comboios de carvão de 2250 toneladas de carga bruta rebocada (25 tremonhas de 90 toneladas), possui entre S.Bartolomeu e Santiago do Cacém rampas de 20 Milésimas. A própria linha Lisboa-Porto, entre a estação de Albergaria dos Doze e Litém, comporta uma rampa contínua de 18 Milésimas (pela lógica de certos “peritos”, não deveria existir tráfego de mercadorias entre Lisboa e o Porto...). A Linha da Beira Alta, de Pampilhosa a Mortágua (30 Km) é practicamente em rampa continua de 18 Milésimas, e é por lá que transitam muitas composições de mercadorias entre Lisboa (e até o Porto) e Vilar Formoso, pelo menos até à altura de – no que toca a Lisboa – a Linha da Beira Baixa oferecer uma alternativa mais curta em 50 Km. A Linha da Beira Baixa, no troço de Covilhã à Guarda também possui rampas de 20 Milésimas. Mas não é por isso que lá não passam composições de mercadorias há bastante tempo. É antes, pelo facto de as obras de arte metálicas estarem limitadas a uma carga por eixo máxima de 16 Toneladas, prevendo-se o seu reforço para 25 Ton/eixo pela REFER até 2010, de molde a completar-se a electrificação de Castelo Branco à Guarda. Não será este, o problema do reforço das pontes metálicas, o mesmo que afecta os 106 Km de linha, do Pocinho a Barca de Alva e Fuente de San Esteban? Então se esse mesmo reforço já se fez na Linha da Beira Alta nos anos cinquenta e sessenta; já se fez da Régua até ao Pocinho nos anos oitenta e noventa; vai fazer-se agora no troço Covilhã-Guarda da Linha da Beira Baixa, e não se pode fazer, em moldes exactamente idênticos nas treliças e vigas principais dos viadutos metálicos do Pocinho a Fuente de San Esteban??? Há algum argumento técnico em contrário? Francamente, não parece convincente, tal como a “história da carochinha” do “perfil inadequado ao tráfego de mercadorias”...

MMT

2 comentários:

Jose Silva disse...

Será viável um novo traçado na zona do Águeda que permita menores pendentes ?

MMT disse...

Caro Jose Silva,

Claro que é possível construir uma variante de by-pass à Garganta do Águeda, embora envolvendo túneis e a custo elevado.

Mas hoje, com os grandes desenvolvimentos na tracção ferroviária, uma rampa contínua de 20 Milésimas é algo de completamente superável, mesmo sem recurso a duplas tracções (duas máquinas e às vezes TRÊS eram necessárias, no tempo em que o Puerto de Pajares, na linha das Astúrias, era explorado com locomotivas a vapor).

Aquilo que pior acontece é isto: se tivermos uma locomotiva Diesel-Eléctrica potente de última geração (por exemplo, a Vossloh Euro 4000, que está endo adoptada por muitos dos novos operadores privados de logística ferroviária), temos um dispêndio de óleo Diesel acima da média no troço em causa e uma redução da carga rebocável por uma só máquina - assim temos que recorrer às "duplas tracções").

No caso da Vossloh, cargas rebocadas em rampa de 20 por mil, andam na ordem das 1000 toneladas (a 333 da RENFE, menos potente, com 3300 cv, consegue rebocar 750 ton, em rampa de 20 por mil).

Mas se ao invés da tracção Diesel tivermos lá uma máquina eléctrica potente o cenário é totalmente diferente.

Na subida a carga rebocável por uma só máquina, ainda que com limitações é bem maior do que com a Diesel (hoje é banal encontrar máquinas com capacidade de arraste superior a 1500 ton em rampa de 20 por mil - isto na prática corresponde a 25 vagões-plataforma carregados com dois contentores de 20 pés cada um, no fundo 50 TEUs na composição).

E na descida, a locomotiva eléctrica frena com os motores de tracção que se tornam geradores. Ao invés de se dissipar toda a energia de frenagem em ruído e calor, consegue converter-se mais de 1/3 em energia eléctrica que é devolvida à catenária pelo pantógrafo. Na práctica, aquilo que se modernamente passa numa linha montanhosa, explorada com tracção eléctrica, é que a composição de mercadorias descendente auxilia as ascendentes com a energia que gera na frenagem. Isto é tanto ou mais importante se pensarmos que a rampa Barca de Alva-Fregeneda-Hinojosa é favorável no sentido de Portugal, que importa mais do que exporta (há uma tendência em todas as fronteiras Portuguesas para a entrada de mais vagões carregados do que saída, reflectinfo o desiquilíbrio estrutural da balança comercial com o exterior).

O grande problema que há no Douro Internacional é que não podemos, no actual estado da linha e das pontes metálicas limitadas a 16 ton/eixo, enviar para lá o material motor mais potente, Diesel ou - idealmente - eléctrico, porque qualquer máquina BB da ordem dos 6000-7000 kW de regime contínuo, apresenta-se com cargas por eixo compreendidas entre as 20 e as 22,5 ton.

É por isso imperioso o reforço das obras de arte metálicas, para que a valência "cargas" volte ao Douro Internacional, para benefício de todo o Norte do País e de Castela-e-Leão.

Um abraço

Manuel Tão

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