Dos relatórios da RAVE, sabemos que as linhas Porto-Lisboa e Lisboa-Madrid são deficitárias, mas criam valor para o país. No caso do Porto-Vigo, não sabemos isso, pois não foi estudado. Assim, parece-me de muito mau tom falar num projecto sem viabilidade, quando a sua viabilidade financeira é igual à dos outros.
2. A secretária de estado justifica então o investimento como uma opção / decisão política. Ora, este termo causa-me muita apreensão. Nas grandes empresas, quando a gestão justifica determinada decisão por esta ser estratégica, isso significa invariavelmente que ou a decisão irá destruir valor para os accionistas, ou o seu impacto nem sequer foi estudado. No caso em concreto, o impacto económico da linha Porto-Vigo não foi estudado. Daí a "decisão política". (Note-se também que o Ministro Mário Lino insiste em afirmar que a decisão do novo aeroporto é uma decisão política. Vem aí destruição de valor para os cidadãos...)
Enquanto há investimentos à partida deficitários que podem ser alvo de opções políticas (saúde, ensino, segurança), tal não é aceitável no que diz respeito a políticas de desenvolvimento económico. Se o objectivo do TGV é o desenvolvimento económico, então tem de se analisar o impacto económico dos investimentos. Tudo o resto é amadorismo e voluntarismo, e não compatível com um governo de uma sociedade moderna, democrática, e transparentes.
3. Não me parece que a linha Porto-Vigo seja efectivamente uma má decisão. Custará 1,4 mil M€, e a Porto-Lisboa 3,8 mil M€. É quase 1/3x Porto-Lisboa. Ora, a externalidade mais directa que tem é aumentar em 20% a utilização da Porto-Lisboa. Adequando esses 20% extra ao 1/3 do investimento nesta linha, é como se a Porto-Vigo tivesse, para além da sua ocupação base, o equivalente a 60% da ocupação Porto-Lisboa. Mais uns passageiros extra no aeroporto. Não me parece nada mau...
Diga-se no entanto, que há uma outra justificação para esta linha. O serviço público visa não só o aproveitamente de externalidades, como a correcção de desigualdades sociais. A inexistência de uma ligação ferroviária adequada para a Galiza também encontra justificação na função social do Estado (não justifica este projecto em concreto, mas é relevante para a decisão). Uma duração de 3h30m não é, de facto, adequada.
4. As linhas de TGV a construir em Portugal irão ser pagas com os impostos dos contribuintes de todo o país. No entanto, irão beneficiar sobretudo a faixa litoral acima de setúbal. Mais uma vez temos o "Portugal excluído" a financiar o litoral.
5. Foi afirmado que o TGV serve para ligar cidades, não aeroportos. É verdade. Mas há uma razão para, em Portugal, isso ser importante. É que enquando o aeroporto não é fundamental para a sustentabilidade da ferrovia, a ligação à ferrovia permite aumentar fortemente o hinterland daqueles, o que é fundamental para um Aeroporto como o nosso, que se quer afirmar como um aeroporto de vocação internacional, e que está sujeito a concorrência de outros aeroportos próximos. Até porque isto funciona dos dois lados. Seremos não só o aeroporto dos galegos, mas o aeroporto de quem quer visitar a Galiza. Para o ASC, todo o segmento de procura é importante para crescer.
6. Vale a pena explicar o que são externalidades (o que foi explicado na altura pelo Prof. Alberto Castro, mas não tenho a certeza de que os nossos governantes tenham percebido o que é...). Externalidades podem ser positivas ou negativas e dizem respeito ao impacto de um projecto em entidades externas à organização que promove o projecto. No caso do TGV, o que é "interno" são as receitas de exploração (transporte de pessoas e carga). Externalidade é, por exemplo, o impacto positivo nas empresas que passam a exportar mais mercadorias graças ao transporte mais barato e eficaz, ou nos hotéis porque passamos a ter mais turismo, etc...
7. É esta questão das externalidades que não foi compreendida no caso do aeroporto do Porto. É afirmado que é deficitário, mas recebeu investimentos extra. A justificação é óbvio: é porque cria valor (via externalidades) para a região e para o país.
Mas isto torna-se preocupante quando nos apercebemos que o governo quer criar um monopólio privado na gestão aeroportuária em Portugal. E o que é que se estuda no primeiro ano de economia sobre os monopólios? No caso de monopólios Públicos, os custos são um pouco superiores aos da concorrência. No entanto, o preço é inferior, pois corresponde ao preço de custo (ou a um preço inferior a este, fixado administrativamente). (Bem, inferior ao da concorrência excepto talvez no caso português em que, para além da gestão ser muito ineficiente, os preços são fixados por forma a financiar o Estado.) Isto é uma boa situação quando existem fortes externalidades. Taxas aeroportuárias significam mais turismo, mais actividade económica, menos "periferia", e normalmente são sobrecompensadas nos cofres públicos por receitas de IVA superiores.
Nos monopólios privados, a coisa é diferente. Aplica-se o preço de monopólio, que é muito superior ao da concorrência (o mais alto que permita maximizar o lucro, que é o objectivo de qualquer empresa). Logo, menos turistas, menos actividade económica, mais "periferia". Significa isto que o Estado, ao criar um monopólio privado, está a destruir valor para todos nós. Não só vamos pagar viagens mais caras, e ter menos ligações aéreas, como vamos pagar mais impostos para compensar as receitas que o Estado perde por ter menos turismo e actividade económica no país.
Junta-se a isto a crença, justificada, que o monopolista tenderá a concentrar tráfego num aeroporto. Por definição, no maior. Logo, nós no Norte seremos os que mais pagaremos a factura. Mas em Lisboa não se ficarão a rir. A perda de impostos em resultado desta decisão imbecil será compensada nos impostos a pagar por todos os portugueses...
Nota: Desagradou-me muito a postura defensiva da Eng. Ana Paula Vitorino, que passou a primeira intervenção a separar as responsabilidades nas decisões de cada governo. Confesso que posso ver a "AR TV" em casa, se me apetecer ver esse tipo de combate político estéril. E não estou para ouvir propaganda. APV entrou no debate a pensar que estava a falar com a oposição. Não estava. Somos cidadãos, e não estávamos ali para a atacar (nem o fizemos). Pessoalmente, isso irritou-me um pouco. Quanto ao Eng. Carlos Fernandes, mostrou que os assuntos estavam bem melhor estudados do que pensávamos, e as suas intervenções foram clarificadoras. Lamento que não tenhamos tido mais tempo para o ouvir, e em especial, que não tenha havido tempo razoável para colocar questões. Ficamos a aguardar pelo próximo debate, e esperemos que esse sim seja sobre o aeroporto...
Nota final: foi agradável ver o Norteamos ser referenciado. Não é a primeira vez (já fizemos uma primeira página no público). É um sinal de que temos "voz" junto dos opinion makers, e dos "decision takers", e do "lobbying". É sem dúvida um estimulo para fazer mais e melhor.
2 comentários:
Também lá estive. Fui eu que coloquei em causa o facto de pretenderem fazer uma linha nova mas utilizarem a ponte de s. joão para chegar ao Porto. Se não haverá problemas de saturação na ponte tb não me pareceria (provocação da minha parte) que existissem no resto da linha. Aquilo (a ponte) além da saturação, implicará complicadas soluções técnicas devido à diferença de bitolas. As duas somadas provocarão atrasos à chegada e partida de Campanhã. Garanto-o pela minha própria experiência. Se um comboio de mercadorias, ou outro, avariar em cima da ponte (o que não é raro, os TGV's ficarão todos em Gaia :->. O tipo da RAVE veio com a justificação que os comboios não se podem ultrapassar, etc., o que não é verdade, porque podem ser construídos locais de ultrapassagem funcionais, como aliás estão a ser feitos nas zonas em que a Linha do Norte já foi renovada. Mas o debate deu para pouco e não me deixaram fazer mais perguntas nem desenvolver mais este assunto :-). No entanto uma coisa eu consegui que a secretária dissesse, embora me pareça que a maioria das pessoas não tivesse percebido o alcance da coisa: pretende-se construir uma linha totalmente nova com uma velocidade de projecto de 300 km/h, exclusivamente para tráfego de passageiros, para lá passarem 2 (dois) comboios por hora em cada sentido. Não será um desperdício abjecto de recursos? Eu defendo uma linha nova mas para velocidades de 250 km/h (os tempos não são muito significativos e é 3 vezes mais barata, para tráfego misto para se obter dela maior rentabilidade.
De facto, foi interrompido quando a discussão começava a interessar...
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