20071106

Provincianismo (sobre "Fora de Lisboa é tudo provinciano")

"É possível definir provincianismo de diversas formas. Uma delas, talvez a mais literal, será dizer que quem não é da capital é provinciano. De certeza que o dicionário, que diz que o Cigano é trapaceiro, impostor, agiota, astuto, velhaco e miserável, gosta desta definição de provinciano.

Talvez uma melhor definição de provinciano seja a de alguém que está limitado às suas fronteiras. Alguém incapaz de ver e reconhecer o outro, que por conhecer apenas as suas fronteiras não reconhece as várias capitais que garantem a diversidade. Provinciano é o contrário de cosmopolita, é o habitante da Caverna de Platão.

Quando saí de Lisboa, há cerca de 10 anos, e disse que vinha para Braga, a reacção de muitos colegas foi espantosa. "Braga? Tão interior? Ainda se fosses para Coimbra, mas Braga, tão interior!!" Maravilhado, tentei explicar que Braga ficava mais ao menos à mesma distância da costa Marítima que Coimbra, pelo que dificilmente seria mais interior…
Explicação vã. Rapidamente percebi que, na cabeça daquelas pessoas, interioridade era sinónimo de distância da capital. Depressa compreendi que, se estivesse em Espanha, no interior estariam as praias da Galiza e no litoral estaria Madrid.

Vem isto a propósito de uma entrada de Filipe Moura sobre a praxe. Tal como o Filipe, considero a maioria das praxes absurdas e estúpidas. Pior do que isso, o carácter humilhante e vexatório das praxes ensina os recém-chegados, os caloiros, a andarem de cabeça baixa e a obedecerem cegamente. Ou seja, ensina-lhes o contrário do que devem ser: pessoas orgulhosas, que andam de cabeça levantada e que não se deixam intimidar.

O problema com o Filipe não é esse. O problema é ele criticar a praxe por ser provinciana (algo que não contesto), mas, depois, apresentar como único argumento o facto de não conhecer nenhum lisboeta, a estudar em Lisboa, que seja praxista. Ainda se falasse dos lisboetas que foram estudar para fora de Lisboa… Ou seja, naquela cabeça luminosa, provinciano é quem não é de Lisboa. Cosmopolita é o lisboeta que de Lisboa e de casa dos pais não sai.

Não discuto a qualidade da amostra de Filipe, nem a sua ignorância sobre o resto do país. O que me choca é mesmo esta incapacidade de passar da sua minúscula fronteira. De pensar que cosmopolitismo é ir à Festa do Avante e ter amigos do Bloco. Não é provinciano, afinal esse epíteto está reservado para a "interioridade", é mesmo pacóvio."

Luís Aguiar-Conraria, no "A destreza das dúvidas"

Nota PMS: É minha profunda convicção que as maiores concentrações de provincianos do país se encontram, por ordem decrescente, em Lisboa e no Porto.

3 comentários:

Rui Valente disse...

Caro Pedro,

Apreciei o seu comentário sobre a ideia que faz do "provinciano". Só que, as linhas padrão apresentadas "por ordem decrescente" (Lisboa e Porto) pecam por omissão ou - na melhor das hipóteses - por serem linhas incompletas. A não ser que em Braga não haja provincianos...falta é conhecer em que ordem os coloca.

Saudações

PMS disse...

Claro que há em Braga.

Mas a razão para Lisboa e Porto serem mais os locais com mais provincianos deve-se apenas à concentração populacional... Não quer dizer que sejam as zonas com maior percentagem de provincianos.

Mas confesso que em termos percentuais não me atrevo a ordenar os distritos, por desconhecimento.

Uma coisa é certa, o provincianismo está sempre fortemente associada a duas coisas:
pseudo-cosmopolitanismo (mania da superioridade), e bairrismo bacoco ("a minha terra é melhor / mais importante que a tua").

Note-se que o sentido original de bairrismo (sentido positivo) caracteriza-se pelo "orgulho na sua terra" e "espírito de fraternidade entre conterrâneos".

O bairrismo em sentido negativo (e não me estou a referir a ninguém em particular) caracteriza-se pelo "a tua terra é pior que a minha" ("embora não a conheça"), e "espírito de desprezo pelos outros / pelo desconhecido".

O bairrismo "positivo" nunca foi provinciano. O mesmo não se pode dizer do segundo.

Unknown disse...

Excelente post, PMS!

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