20080514

Soluções para o Interior

Folgo em ver que ainda há pessoas que se preocupam com o que verdadeiramente importa no contexto da Regionalização: a problemática da desertificação das regiões interiores do território português.

A problemática da Regionalização não pode mais ficar-se por uma "guerra" entre o Porto e Lisboa que, embora sejam os dois maiores centros urbanos do país, não deixam de representar uma pequena parte do território português. Ao longo destes últimos 30 anos, a Regionalização foi debatida, metida e tirada da gaveta, mapeada, referendada, apoiada e repudiada. Mudaram os políticos, sucederam-se governos, alguns "notáveis" mudaram inclusive diversas vezes de opinião sobre este tema, fazendo com que Portugal ficasse parado a ver, primeiro Lisboa, depois a Estremadura e Ribatejo, depois o restante litoral evoluir (embora numa escala menor).

Entretanto, entre 1960 e 2001, o Interior perdeu praticamente metade da população. Primeiro, foi a emigração, para a França, a Suíça e a Alemanha, principalmente, depois foram as migrações para o litoral: Lisboa e Porto. Os distritos de Bragança, Vila Real, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja ficaram praticamente vazios. Apenas algumas cidades se afiguram como "oásis" neste "deserto". Só para dar um exemplo:

Entre 1960 e 2001, na Beira Interior:

-O distrito da Guarda perdeu 59 781 habitantes;

-O distrito de Castelo Branco perdeu 108 467 habitantes.

-No total, a Beira Interior perdeu, nestes últimos anos, mais de 150 000 habitantes, o que equivale, por exemplo, à população de cidades como Braga ou Coimbra.

Para além disto, faliram empresas, o desemprego aumentou, não houve investimento, e a população acabou por envelhecer. O índice de marginalidade funcional só é considerado crítico nas regiões do interior. O índice de envelhecimento nas regiões de Trás-os-Montes e Alto Douro, Beira Interior e Alentejo foi superior a 170 %, sem que qualquer concelho fique de fora desta realidade.

Para os sucessivos governos, as soluções pareciam fáceis. Até 1990, nem sequer havia problema, diziam os políticos. A partir de 1990, as soluções pareciam fáceis: a "política do betão" resolveria tudo. Abriram-se vias-rápidas (IP2, IP3, IP4 e IP5), que se revelaram um verdadeiro desastre, ceifando milhares de vidas. Foram o problema em vez da solução. Entretanto, continuaram-se a fechar escolas, serviços de saúde, empresas, linhas de caminho de ferro. Resultado: a população decresceu cada vez mais.

Estamos em 2008. O Interior bateu aparentemente no fundo. Em vez de trazer mais infra-estruturas para o Interior, os governos só se preocupam com auto-estradas. E, claro, em construir megalomanias como o aeroporto de Alcochete, as pontes de Lisboa e o TGV no litoral.

O Interior precisa de verdadeiros incentivos. Os responsáveis políticos, os empresários e a população têm-se acomodado com esta situação de "litoralização", esquecendo as grandes desvantagens que este processo traz, tanto para o Litoral como para o Interior. Já percebemos que, a nível nacional, os responsáveis maiores da nação não estão interessados em mudar de políticas: o centralismo continua a imperar. Por isso, só há uma saída, que é uma inevitabilidade: a REGIONALIZAÇÃO.

Cada vez mais o povo percebe isso, e se começa a mobilizar para estas questões, demonstrando saudável independência dos partidos políticos. Muita gente hoje mostra que não está de acordo com o centralismo, mas também não quer uma Regionalização administrativa sobre as 5 "regiões-plano". Tudo isto porque há grandes fracturas no território nacional.

Apesar de ser mais falada, a fractura Norte-Sul ou Porto-Lisboa é mais cultural do que económica, visto que a área metropolitana do Porto, assim como toda a zona de Entre-Douro e Minho, se tem desenvolvido mais ou menos bem, como é exemplo o crescimento da população, a melhoria dos níveis de vida, o crescimento de cidades como Braga, Viana do Castelo, Guimarães ou Barcelos, a modernização das infra-estruturas e das empresas. Tudo bem que há problemas, não o nego. E problemas graves. A emigração nesta zona é muito forte, há cerca de 100 000 pessoas a trabalhar na Espanha, por exemplo, o que é sinal de que as coisas não vão bem.

Mas a prioridade deve ser outra. A maior fractura no nosso país é entre regiões litorais desenvolvidas, a ganhar população, com menor desemprego, com excelente cobertura em termos de infra-estruturas, e com níveis de vida medianos; e as regiões do Interior, a perderem população galopantemente, e a desertificarem-se, num processo que se pode tornar irreversível.

Por isso, é um erro tornar a Regionalização numa luta centrada no Porto. A Regionalização não pode ter centros, deve ser uma causa mobilizadora do país, de norte a sul, do litoral ao interior. Agora, os habitantes destas regiões esquecidas sentem que a Regionalização é para o Porto, que nada ganham com isso. Actualmente, fala-se na centralização de fundos e recursos em Lisboa: com 5 regiões, vai-se falar daqui a uns anos na centralização de fundos e recursos em Coimbra e no Porto. E o Interior? Vai chegar a um ponto sem retorno!

Precisamos de medidas urgentes para atrair investimento e população para o interior. Concordo com a proposta de Luís Leite Ramos: 5% de IRC. Mais: reduções idênticas em impostos como o IVA e o IRS, e verdadeiros incentivos à natalidade. Para compensar estas descidas, bastaria não construir mais uma auto-estrada, por exemplo o IC2 entre Coimbra e Oliveira de Azeméis, cuja necessidade é duvidosa (bastaria construir variantes á EN1 na Mealhada e em Albergaria).

Não precisamos de mais auto-estradas, em termos viários temos bons acessos: precisamos é que esse dinheiro seja gasto em recuperação de estradas nacionais, regionais e municipais, que desempenham um papel importantíssimo nestas regiões. E, principalmente, precisamos de um transporte ferroviário de qualidade que ligue as cidades médias do Interior (Bragança, Chaves, Vila Real, Bragança, Mirandela, Guarda, Covilhã e Castelo Branco) às maiores cidades do país, com tempos e custos compensatórios. Deveria ser essa a aposta no Interior.

É um pequeníssimo esforço para o Estado, mas uma grande mais-valia para o interior. A vontade política que falta para estas medidas sobra para cortes cegos como o fecho de serviços de educação e saúde, e de linhas de caminho-de-ferro, que condenam ainda mais o interior.

Se estivermos à espera do poder central, podemos esperar sentados. Sentados não, porque nos estamos a afundar cada vez mais. É preciso fazer força para trazer as decisões para as regiões do interior. Para onde elas realmente são precisas. Não para uma cidade em específico, mas para cada região, com serviços distribuídos, com maior autonomia para as regiões do Interior.

Por isso, defendo a única solução para romper o isolamento, a Regionalização a 7 Regiões:

*Entre-Douro e Minho

*Trás-os-Montes e Alto Douro

*Beira Litoral

*Beira Interior

*Estremadura e Ribatejo

*Alentejo

*Algarve

Haja vontade. Pelo Interior, pelo futuro de Portugal.

Por Afonso Miguel.

 

5 comentários:

josé manuel faria disse...

De acordo com as 7 regiões.

Com as capitais "descentralizadas".

Asdrúbal Costa disse...

Boa tarde

Concordo que algo deve ser feito para combater a desertificação do interior mas estou plenamente convicto que o Norte deve ser uma única região pelos seguintes motivos.

1)Trás-os-montes e Alto Douro não tem massa crítica para estabelecer uma região forte. Criar esta região administrativa por si só não resolve em nada a fuga para o litoral.

2) Para regionalizar é preciso estabelar estratégias para a região. Toda a região norte ganharia com as seguintes estratégias de base

2.a) Turismo. O Norte tem um potencial turístico enorme e a estratégia deve ser vista num todo, apostando na travessia do Douro, cidades, vilas e aldeias históricas, gastronomia, turismo rural,formação, etc.

2.b) Estratégia para promover a região norte. Dar a conhecer(a nível mundial) os fantásticos vinho do Porto, vinhos de mesa do Douro e vinhos verdes com uma política de publicidade comum. A promoção da região norte também seria feita no turismo.

2.c) Politica de defesa do património mundial existente a norte (Guimarães, Porto, Alto Douro e Foz Côa) assim como promover o Gerês a património mundial

2.d)Estratégia para estabeler sinergias e protocolos entre as universidades do norte(UTM, UP e UM). Cotas especiais para alunos desta região(evitando a fuga e promovendo a ida para o interior), protocolos para investigação e ligação com os tecidos empresariais

2.e) Estratégia para restaurar a ferrovia, nomeadamente a linha do Douro e fazer a ligação Porto-Vigo

3) Minho, Porto, Trás-os-Montes partilham a mesma herança cultural

Poderia apresentar mais motivos, mas creio que não é necessário. É completo absurdo e disparate separar Trás-os-Montes do resto do norte pois só iria isolar ainda mais esta região.
Acho também que se querem defender um mapa de regiões devem pensar um pouquinho nas estratégias de fundo para cada uma delas senão os vossos argumentos não têm sustentação.
Quanto à capital da região norte, que tantas discussões causa, por mim é muito simples. Metam-na em Amarante ou Vila Real de forma a acabar com os disparates e a avançar finalmente com a regionaliação

António Alves disse...

caro asdrúbal,

bem-vindo!! finalmente tenho um aliado nesta guerra contra os localismos bacocos. a norte há ainda muita gente que não percebeu que só unidos é que poderemos ter sucesso. a única 'rgião' a norte que poderia avançar sozinha para um processo de autonomia é a grande área metropolitana do Porto que conjuga força económica suficiente e 60% da população. mas enfim, vai ter muito que aturar vindo de certas 'elites' bracarenses, principalmente, com a história da capital e sucedâneos. o que certa gente nem percebe é que o conceito de autonomia e regionalização devem esvaziar o conceito de capital. tal como a galiza, cuja proximidade cultural e realidade socio-económica nos deve servir de exemplo: as duas cidades mais importantes tanto a nível económico como populacionalmente - Vigo e A Corunha - não são a sede política; esta é a cidade histórica de Santiago de Compostela, onde estão a 'xunta' e o parlamento galegos.

Boa sorte :-)

Jose Silva disse...

Pois eu cá por mim perfiro ter uma Regionalização qualquer a funcionar do que uma perfeita para as calendas.

O modelo da Regionalização tradicional já tem 40 anos de idade, a região do Sul foi dividida em Alentejo e Algarve nos anos 70, a de Lisboa e Vale do Tejo foi recentemente encolhida para a AMLisboa, e AAFelizes do blogue Regionalização, habitualmente defensor do modelo tradicional, já acha que a AMPorto deve ser uma região à parte.

Francamente, o que importa é que se faça.

Rui Rocha disse...

"bastaria não construir mais uma auto-estrada, por exemplo o IC2 entre Coimbra e Oliveira de Azeméis, cuja necessidade é duvidosa"


Sem tirar nem pôr...

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