20080226

Um peso duas medidas

É comum argumentar-se que o mundo rural é um património do país e como tal deve ser preservado e defendido das agressões urbanísticas, dos investimentos agrícolas, florestais ou outros que pressuponham a sua descaracterização. António Barreto numa das suas crónicas do Público alinha por este diapasão e advoga um mundo rural intocável "onde é possível encontrar locais pacíficos e repousantes, onde os urbanos podem encontrar reparação". Isto é, uma autêntica “reserva” para o desfrute dos citadinos, mesmo que os naturais se danem. Tudo o que possa ser feito para o desenvolvimento e o bem-estar dos residentes, há sempre altos valores que se levantam, ao contrário tudo é possível. Pode-se proceder à construção de uma ou mais barragem que criará impactos profundos sobre a paisagem e o clima, é permitido enxamear de inestéticas torres eólicas as montanhas rurais porque estará em causa o interesse nacional, proceder ao abate injustificado de árvores quando estão em causa altos interesses turísticos… Por outro lado, erigir um armazém de apoio a uma exploração agrícola é quase sempre um atentado ao ambiente natural, impedir a construção de uma estrada vital para preservar os ratos do campo que poucos viram, abater uma árvore para traçar um caminho rural pode constituir um crime punível com prisão... Dois pesos e duas medidas claros. Faz-me pensar no que se exige aos brasileiros para preservação da floresta da Amazónia: na lógica da preservação da floresta mundial, não lhes seria permitido mexer numa árvore por uma questão ética e de preservação da vida no planeta, sem qualquer compensação. Por outro lado, no resto do mundo é permitida a exploração das florestas, desde a Europa à América, passando por em África onde há interesses também das grandes empresas multinacionais e tudo é permitido segundo a regra da livre concorrência onde assenta o desenvolvimento moderno.

E se "esta que é uma função essencial do campo ou do interior" como acrescenta o conhecido transmontano, só haverá “interior rural ou natural belo e cuidado” com pessoas e se houver contrapartidas; se não, a solução será a completa desertificação humana. E para haver população não podem encerrar-se serviços públicos de proximidade pela lógica da racionalização de serviços e do número de utentes, não pode encerrar-se uma via-férrea pelo juízo de que não há utentes suficientes e dá alguns milhares de euros prejuízos quando há transportes financiados a muitos milhões no litoral. Queremos um campo cuidado e que sirva o país, pois que seja, mas não à custa de uma população envelhecida, ostracizada e com um baixíssimo nível de vida; mas sim na discriminação nos impostos, em investimentos públicos em infra-estruturas, em serviços de proximidade e com a manutenção de serviços públicos que não obedeçam às lógicas do litoral. Um mesmo peso e duas medidas.

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