20080209

Barragens

Em Trás-os-Montes e Alto Douro estão localizadas actualmente 9 grandes barragens hidroeléctricas, com uma potência instalada de cerca de 1600 MW (mais de 30% da potência total do país no sector hidráulico), produzindo um valor médio anual de 5970 GWh. A preços de mercado, e numa estimativa grosseira, a energia produzida anualmente valerá qualquer coisa como 539 milhões de euros.

Trata-se de um contributo relevante para a tão propalada autonomia energética nacional e, não menos importante, para a redução das emissões de CO2, indispensável a um desenvolvimento mais sustentável do país e do planeta. Mas qual é o retorno para a região da utilização deste importante recurso local? Pagamos a energia mais barata? Não. Não pagamos. Beneficiamos com a criação, directa ou indirecta, de centenas de empregos? Não. Poucos, muito poucos, são os empregos gerados pela exploração destas barragens. Na região apenas estão alguns funcionários permanentes para “vigiar as máquinas”, já que gestores, quadros técnicos e demais colaboradores do grupo empresarial detentor das concessões, a EDP, estão quase todos instalados no Porto e em Lisboa. E até grande parte dos serviços comerciais distribuídos pela região foram encerrando aos poucos, em nome da racionalidade e da eficiência económica. Recebemos uma fatia significativa dos impostos pagos pela EDP oriundos das mais valias geradas na região? Não. Os municípios abrangidos recebem uma renda diminuta (muito inferior aos 2,5% impostos por lei no caso dos parques eólicos) e nada em termos de IRC, uma vez que este imposto é pago no local onde a empresa tem a sua sede social. Em contrapartida, como o valor da energia produzida é contabilizado no PIB municipal, deparamo-nos, em muitos casos, com níveis de riqueza completamente distorcidos.

Nos próximos anos, a região poderá “ganhar” seis novas barragens: Sabor, Tua, Alto Tâmega, Daivões, Gouvães e Padroselos. Caso sejam todas construídas, o aumento do potencial hidroeléctrico será de 793 MW e a produção média anual de energia de 1107 GWh. O investimento global previsto, na construção civil e nos equipamentos, ronda os 985 milhões de Euros. O que ganhará a região com estes investimentos? Alguns milhares de empregos? Com toda a certeza, durante a fase da construção. Nas obras públicas, no comércio local, no alojamento e na restauração. E depois da construção, sobrará alguma coisa? Nada. Como é visível nos concelhos onde já existem barragens. Encherão os municípios os seus cofres com a cobrança de novas rendas e impostos? Não creio, muito embora alguns deles vejam nas receitas futuras uma solução para aliviar o aperto financeiro em que se encontram. Mas dificilmente estas receitas permitirão resolver o principal problema com que se defrontam: a criação e fixação de riqueza e de emprego. E sem os quais não será possível estancar a sangria demográfica que os atormenta.

Não sou contra a construção das barragens, muito embora compreenda e subscreva parte dos argumentos daqueles que se opõem à construção de algumas delas em nome da defesa do património natural e histórico, como é o caso do Sabor e do Tua. Mas sou contra está “lógica extractiva” dos recursos da região, e de todo o Interior, sem contrapartidas efectivas para o seu desenvolvimento social e económico. O que está em causa é sobretudo a forma como o País e o seu Estado encaram o problema. Porque razão é que uma parte das mais valias geradas não há-de ser reinvestida nessas regiões? Porque razão é que a atribuição das concessões não há-de incentivar e premiar as empresas que se comprometam a instalar actividades, serviços e competências geradoras de emprego duradouro e qualificado nos municípios onde vão operar? E porque razão é que o Estado não promove o desenvolvimento de um cluster energético em Trás-os-Montes e Alto Douro (como o fez, e bem, em Viana do Castelo), apoiando, por exemplo, a instalação de iniciativas empresariais e de um centro de investigação e desenvolvimento? Perguntas que merecem resposta e sobretudo acção se queremos construir um País mais justo, coeso e desenvolvido como tanto se apregoa.

Por Luis Leite Ramos

 

3 comentários:

António Alves disse...

Resposta: porque a região não tem uma entidade política com poder próprio sobre o seu território capaz de negociar com o estado central as contrapartidas à instalação destes equipamentos. A região, na prática, não passa duma colónia cujas matérias primas e recursos energéticos são exploradas por uma potência externa que pouco dá em troca. É uma situação típica da dinâmica colonial. Também não se pode dizer que os transmontanos não sejam eles próprios responsáveis pela situação em que estão. A memória não pode ser curta. No entanto há que modificar a realidade. Só a Autonomia Regional é que poderá inverter este estado das coisas.

Jose Silva disse...

ANtónio,

Como pode lêr aqui, http://regioes.blogspot.com/2008/02/regionalizao-portugueses-divididos-meio.html, parece que TM não aprende...

Por isso é que me parece que a Regionalização a 5 merece outras alternativas...

mario carvalho disse...

Comunicado


Completa-se hoje um ano sobre uma das mais negras horas da Linha do Tua: a 12 de Fevereiro de 2007, uma fatalidade fez com que a automotora Bruxelas fosse arrastada para as águas do Tua, levando a vida a três pessoas e ferindo outras duas. Foi o segundo acidente mortal em 120 anos de História da Linha do Tua.
Um ano depois a contestação contra a construção de uma barragem na Foz do Tua nunca foi tão grande, nem a incoerência dos intervenientes com poder governativo tão gritante face ao crescente número de entidades que sublinham o seu NÃO a tão grave atentado.

Se por um lado a REFER tem vindo a investir, e prevê ainda mais investimento para o reforço da segurança e condições de exploração da Linha do Tua, a CP vem agora finalmente abrir a Linha do Tua a uma mais ampla exploração turística.
O ICN – Instituto de Conservação da Natureza refere explicitamente que não se deve construir barragens na foz de um rio, a CCDR – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional tece críticas a este plano nacional de barragens, o IGESPAR – Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico refere que o levantamento do Património foi feito apenas no papel, a APPI – Associação Portuguesa do Património Industrial, representante em Portugal do organismo internacional consultor da UNESCO, aponta a destruição da Linha do Tua por uma possível barragem como um dos mais graves atentados ao património português.
A situação actual do Vale e da Linha do Tua é insustentável. De uma forma pouco clara, ilegal, e com uma celeridade nunca antes vista em processos deste tipo em nenhum outro país da União Europeia, aprova-se uma barragem sem referir os seus efeitos nefastos, e atribui-se um direito de preferência de construção à EDP. Defendem do Governo que é em prol das energias renováveis e limpas: todo o pacote de 10 novas barragens contribuirá para nada menos que 1% de redução de emissão de gases de efeito de estufa, e sendo que a retenção de grandes massas de água só vem contribuir para o seu aumento. E isto num país como Portugal, abençoado com vento e sol durante todo o ano; nem os parques eólicos nem os de painéis solares fotovoltaicos acarretam consigo os efeitos negativos das grandes barragens. Refira-se ainda a rápida e dramática erosão da nossa costa, que será agravada com a retenção de inertes a montante nos rios, presos pelas barragens.

Por seu lado, o Ministério do Ambiente gere as suas competências através da lógica do menos mal: Nunes Correia vem a público referir que uma barragem no Tua "não terá um impacto muito expressivo" já que "não estão em causa povoações com centenas de habitantes". Já Ana Paula Vitorino, Secretária de Estado dos Transportes, refere que "os benefícios sociais da construção de uma barragem serão superiores", inaugurando em 150 anos de História dos Caminhos-de-Ferro Portugueses a justificação da destruição de uma via-férrea como de "interesse público".
Perguntamos a estes governantes, pelo singular conteúdo das suas afirmações trazidas a público, se realmente conhecem algum aspecto sobre o que estão a falar, e que deveriam conhecer a fundo.
Ajudamos ainda a senhora Secretária de Estado Ana Paula Vitorino a enumerar os benefícios sociais que certamente queria referir:

· Destruição do último caminho-de-ferro do distrito de Bragança, o pior de todos em níveis de transportes públicos e mobilidade dos seus habitantes. Por conseguinte, acaba com o transporte de milhares de passageiros por ano, repartido pelas crianças em idade escolar e idosos que do comboio dependem para as suas deslocações, e de turistas que todos os anos vêm conhecer o Vale do Tua, vindos do Douro – com a reabertura da Linha do Douro à Espanha, o número de turistas irá aumentar de forma imprecedível, sendo um autêntico motor do turismo e comércio de cidades como Mirandela;

· Destruição de vinha de produção de Vinho do Douro directamente por submersão, e indirectamente por uma área mais vasta com o aumento dos níveis de humidade, calor e gases com efeito de estufa;
· Destruição das Caldas de Carlão e de São Lourenço;
· Criação nula de postos de trabalho. Enquanto durar a construção da barragem, esta será maioritariamente suportada por mão-de-obra que não é local, finda a qual desaparecerão da zona. A conservação e gestão da barragem é feita por uma equipa de técnicos que não são da zona, e em número reduzido, e controlada a partir da Barragem de Bagaúste;
· Serão construídas mais linhas de alta tensão, com todos os problemas de saúde a si associadas;
· Uma vez que as empresas que vão usufruir da construção e exploração da barragem não são sedeadas em nenhum dos concelhos atravessados pelo Tua, os impostos não ficarão na região, sendo que as margens que permanecem para as autarquias não revelam o verdadeiro lucro que se tira das barragens, que não será o da produção de energia, mas o da "venda" da água.

As grandes barragens em Portugal têm dois exemplos claros em situações antagónicas dos grandes "benefícios sociais" que acarretam: em Castelo de Bode as populações foram obrigadas a partir para Lisboa em busca de melhores condições de vida, depois de a barragem lhes ter tirado todo o sustento e qualidade de vida; em Foz Côa elevou-se um património à categoria de Património da Humanidade, e o PIB do concelho foi o único da sua zona a crescer.
O MCLT, no dobrar de um ano sobre uma tragédia, vem por este meio fazer-se ouvir para que se evite uma tragédia ainda maior. Nunca a curiosidade e vontade em se viajar e conhecer a Linha do Tua e o Vale do Tua foram tão grandes, e tanto REFER como CP estão a desenvolver esforços no sentido de capitalizar os seus investimentos neste conjunto singular entre a bravura da Natureza e a dos Homens. Urge desenvolver-se o Nordeste Trasmontano, e sem vias que suportem esse desenvolvimento está-se a condenar uma região já de si explorada à total desertificação. Para esse desenvolvimento se conta com um dos principais negócios do país, o Turismo, para além do qual o tráfego regional de pessoas e bens nunca poderá ser esquecido.
Defendemos o melhoramento das condições de operacionalidade da Linha do Tua, e a sua reabertura a Bragança e conclusão definitiva do seu traçado até à Puebla de Sanábria, onde a Alta Velocidade espanhola vai ter uma estação, no que deverá ser a implementação de uma lógica de rede de transportes integrada e sustentável.
Defendemos também o assumir de uma coragem política em se discutir todo este processo conduzido em bastidores CONTRA o povo e a favor de interesses por demais claros.
A Barragem do Tua NÃO faz falta aos trasmontanos, nem faz falta a Portugal; porque se insiste, e quem insiste na sua construção?

Movimento Cívico pela Linha do Tua, 12 de Fevereiro de 2008

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