Em vésperas da realização em Braga da recente cimeira entre os governos português e espanhol, aproveitando a presença na cidade de grande número de órgãos de comunicação social, a Associação Industrial do Minho (AIMinho) realizou uma conferência de imprensa em que o tema foi a criação de um comboio de altas prestações (vulgo, TGV) entre Porto e Vigo. Um dos jornais que li destacava, em título, dois daqueles que terão sido os sublinhados dessa tomada de posição, a saber: i) o “TGV Porto-Vigo «tem de passar» no aeroporto”; e ii) os “Empresários do Minho defendem também a construção de um canal ferroviário próprio para o TGV”.
A quem este assunto chegue apenas pelo que se vai dizendo nos media, talvez escape o sentido de uma associação empresarial sedeada em Braga vir reivindicar a passagem da dita linha-férrea pelo aeroporto Francisco Sá Carneiro (FSC) e a construção de raiz de um canal próprio para a circulação dos comboios. Para quem se preocupa com o bom uso dos dinheiros públicos, diga-se, desde já, que as razões subjacentes às duas reclamações convergem na questão de fundo da viabilidade económica e da racionalidade do investimento a realizar. Isto é, no primeiro caso, está em causa a procura que o comboio poderá ter e, no segundo, a velocidade de circulação e a comodidade para os seus utentes e, daí, do mesmo modo, a capacidade deste modo de transporte de captar passageiros e mercadorias, em concorrência com modos alternativos pré-existentes. Como dado de partida, é preciso que se diga que estamos perante a construção de uma linha-férrea em bitola europeia, premissa que deixou de ter discussão depois do governo espanhol ter anunciado a reconversão para essa bitola, no decurso da próxima década, da sua estrutura ferroviária.
É neste enquadramento que adquirem sentido as afirmações da AIMinho presentes no corpo da notícia que invoco “que um comboio de alta velocidade entre Porto e Vigo «só será eficaz» se passar no aeroporto” e se for construído “um novo canal ferroviário”, completada com a informação de que aquele aeroporto é já “o mais movimentado do noroeste peninsular”. Neste passo, faz-se alusão, por um lado, às limitações operacionais com que se deparam os aeroportos galegos, a começar pelo de Vigo, e, por outro, à captação crescente de passageiros galegos pelo aeroporto FSC, em razão das suas condições operacionais superiores e da estratégia de negócio que vem sendo adoptada pela entidade gestora.
Aqui entronca a questão da capacidade do comboio ser ou não capaz de desviar utilizadores de outros meios de transporte e gerar procura adicional, o que vai dar às problemáticas da velocidade de circulação e da comodidade, que não se compadecem nem de tempos de percurso irrazoáveis nem de transferências de comboio ou de paragens para mudança de bitola. A reivindicação de velocidades de 200 quilómetros/hora é, a esta luz, o compromisso que importa assegurar entre a economia de tempo que é necessário conseguir nessa ligação, com paragem obrigatória em Braga, e a exigência que a linha sirva o território que atravessará.
É daqui que resulta “«escandaloso» que se queira levar o comboio até Campanhã (Porto) «para poupar dinheiro»”, conforme sublinhava António Marques nas suas declarações, e é por isto que uma tal opção não só “«vai prejudicar a região Norte já que irá impedir o crescimento da sua infra-estrutura aeroportuária»”, como se irá revelar uma opção muito mais onerosa, pelas receitas que deixa de gerar e pela natureza de projecto a prazo em que corre o risco de se transformar.
A obrigatoriedade de uma estação em Braga decorre da circunstância da linha de raiz que irá ser construída só ter financiamento assegurado pela União Europeia até Braga (com maior rigor, até Ponte de Lima) e de, para a viabilidade da linha, ser essencial captar passageiros e mercadorias no quadrilátero urbano Barcelos/Braga/Famalicão/Guimarães.
A captação dessa procura potencial obrigará, por outro lado, a articular regionalmente a própria infra-estrutura ferroviária tradicional com a nova linha e a nova estação de Braga nas componentes circulação de passageiros e de mercadorias, sendo certo que, pelos dados que vão sendo tornados públicos, nestas determinantes o projecto se sugere ainda mais indefinido que nas demais.
De modo quase idêntico, a articulação entre a linha tradicional, a plataforma logística (centro de gestão de mercadorias) e a nova via férrea mantêm um expressivo nível de indefinição em Valença, sendo que neste caso a dificuldade resulta em parte da conjugação de estratégias entre as autoridades e os operadores dos dois territórios que fazem fronteira.
Num tal cenário de visões contraditórias sobre as estratégias de construção e de gestão de uma linha-férrea de altas prestações e sobre o papel de apoio ao desenvolvimento que uma tal infra-estrutura deve desempenhar, oferece-se-me de todo adequado que os actores do território não descurem a oportunidade de trazer para o domínio público a informação relevante e de defender os respectivas pontos de vista, à semelhança do agora feito pela AIMinho. Não o fazendo, não terão legitimidade para mais tarde vir apontar os erros e estreitezas de vista que podem, uma vez mais, informar uma decisão de política pública com o impacte potencial em matéria de ordenamento e de desenvolvimento do Minho e do país da que está em causa.
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