20080325

ASSOCIAÇÕES DE MUNICÍPIOS

O governo apresentou recentemente na Assembleia da República dois novos diplomas legais para regular e enquadrar a criação e o funcionamento das associações de municípios. Relativamente à legislação ainda em vigor, as Leis nº 10/2003 e nº11/2003, as alterações não são muitas mas são significativas. Para análise e reflexão, aqui ficam as mais relevantes.
Em primeiro lugar, importa realçar as mudanças ao nível das tipologias, da sua abrangência territorial e do modo de criação. A nova legislação prevê apenas a existência de três tipos de entidades - as áreas metropolitanas (AM do Porto e Lisboa), as comunidades intermunicipais (CI) e as associações de municípios de fins específicos (AMFE) –, abolindo as comunidades urbanas e as restantes grandes áreas metropolitanas. E contrapõe, ao actual voluntarismo político e geográfico (os municípios eram livres de constituir as associações que muito bem entendessem, desde que respeitassem os limiares demográficos estabelecidos e o nexo ou contiguidade territorial), a obrigatoriedade da sua criação no imediato e mapas pré-definidos, os quais são, no caso das áreas metropolitanas e das comunidades intermunicipais, coincidentes com as chamadas NUT III (as 28 unidades territoriais para fins estatísticos). Prevê-se ainda a possibilidade da fusão de 2 ou mais comunidades intermunicipais e, pela primeira vez, de criação de CI ao nível das NUT II (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve).
Em segundo lugar, as estruturas e os modelos de governação são, no essencial, muito semelhantes às das actuais associações de municípios. As novas entidades serão dotadas de um órgão executivo, o conselho executivo, e de um órgão deliberativo, a assembleia intermunicipal. Reafirma-se, assim, a vontade de conferir a estas entidades uma maior legitimidade democrática, através da criação de uma assembleia intermunicipal, cujos membros são eleitos pelas assembleias dos municípios que as integram, e uma maior operacionalidade, dotando-as de um quadro próprio de pessoal e de um secretário técnico, que supervisionará a sua gestão corrente. A grande mudança verifica-se ao nível das áreas metropolitanas, cujo presidente do conselho executivo não poderá ser um presidente de câmara, uma vez que é exigida ao titular desta função uma dedicação exclusiva.
Finalmente, e no que diz respeito às suas atribuições e competências, as novas entidades parecem manter grande parte do seu campo de intervenção formal: articulação de investimentos municipais de interesse intermunicipal, planeamento estratégico, ordenamento do território, promoção do desenvolvimento social, económico e cultural, redes de infra-estruturas e de equipamentos colectivos, mobilidade e transportes, etc. Mas a alteração mais significativa tem a ver com a prometida participação destas entidades na gestão de programas de apoio ao desenvolvimento regional, particularmente no âmbito do QREN.
Em termos genéricos, as alterações propostas são razoáveis e traduzem um inquestionável bom senso. Por um lado, a matriz preconizada aponta para uma solução organizativa e territorial muito mais equilibrada, uma vez que elimina o excessivo voluntarismo municipal e a imprevisibilidade do mapa final, eventualmente contraditórios com os objectivos e as exigências de uma eficaz organização e gestão do território. Por outro lado, a manutenção de alguns dos princípios fundamentais do modelo actual (legitimidade democrática, operacionalidade, esfera de intervenção, etc.), revelam uma atitude responsável e que consiste em não fazer tábua rasa das leis e soluções vigentes, sobretudo quando estas foram patrocinadas por uma força política diferente da sua.
No entanto, subsistem algumas dúvidas e interrogações sobre o futuro destas associações, as quais são alimentadas pelos parcos resultados obtidos nos últimos anos em matéria de associativismo municipal. Regra geral, as entidades surgidas das leis de 2003 continuam envoltas num torpor estranho que só pode ser explicado pelo aparente desinteresse dos municípios e pela falta de incentivos da administração central. Sem motivos internos fortes para articularem os seus projectos e investimentos e sem políticas públicas que forcem e premeiem (os célebres “bastão e cenoura”) o esforço de cooperação intermunicipal, os municípios continuam a privilegiar as lógicas e as estratégias individuais. Como parece ser evidente nas propostas de transferência de novas competências para os municípios (e não para as suas associações) ou na gestão do QREN, fortemente centralizada e dispensando ou marginalizado o papel das autarquias locais. Será que sem uma alteração profunda destas políticas e dos seus instrumentos assistiremos a um reforço significativo do associativismo municipal em Portugal? Creio bem que não.

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