Já tinha referido as capacidades de análise do comentador do Blasfemias e PortugalContemporaneo, «anti-comuna», sobre economia Portuguesa. O texto seguinte é fenomenal. E acaba com o tradicional bom humor deste economista portuense. Pena tenho que o «anti-comuna» não tenha aceite vários convites que fiz para escrever no Norteamos.
No passado fim-de-semana algo de extraordinário aconteceu. O país em exercício da Presidência Europeia, França, na pessoa de Sarkozi, decidiu realizar uma cimeira extraordinária, com apenas quatro países europeus, para decidir um eventual pacote de medidas de combate à crise financeira que se vive em toda a Europa.
Nesta cimeira, realizada pelos países mais fortes e grandes da UE, nada de especial foi decidido para combater o credit crunch, apesar de terem passado por cima de todos os países europeus e do próprio Presidente da Comissão Europeia. No entanto, na prática, esta cimeira determinou o fim da UE tal como a conhecemos e, mais ainda, deu ordem de partida para que os países fracos do €urosistema, conhecidos em jargão eurocrata como os famosos PIGS, acabem por ser expulsos da moeda única ou acabarão por sair pelo seu próprio pé, vergados pela crise económica.
Na semana passada a Europa conheceu uma fuga maciça de capitais, de um lado para o outro, com os investidores receosos com os sistemas financeiros dos vários países. A tal ponto que levou a Grécia garantir, de um modo patético, todos os depósitos do seu sistema financeiro. Desta forma, ao assumir tal posição, a Grécia deu um sinal aos demais países: ou assumiam posição semelhante ou sofreriam as consequências. Assim sendo, a Alemanha, que se recusou a assinar um pacote de ajudas comuns europeias para salvar a banca europeia, logo após o fracasso da Cimeira do Directório, decidiu também assumir integralmente as garantias dos depósitos nos bancos alemães. O que irá provocar ainda mais pressão sobre os demais parceiros europeus, que acabaram por, em termos comunitários, assumirem uma posição no mesmo sentido mas com garantias dos depósitos de apenas até 50 mil euros.
Juntando estes factos fica claro que o credit crunch está a evoluir para uma fase que será perigosa para Portugal. Em Portugal os nossos fracos líderes e as nossas fracas autoridades sempre meteram a cabeça na areia e preferiram esconder o problema português, que vive uma crise sem precedentes. E além de meterem a cabeça na areia, o oportunismo político dos nossos políticos, em especial do Governo, foi ao ponto de acusarem os americanos pela criação da crise, exigiram que eles tomassem medidas, em especial a aprovação do famoso Plano Paulson, mas nada fizeram, eles mesmos, para combater o credit crunch que se sente em Portugal.
Durante anos e anos, em Portugal, foi dito que o nosso país não deveria ter especial preocupação com o seu pesado défice da Balança Corrente e de Capitais já que, integrado na Zona €uro, não haveria especial dificuldades em aceder aos capitais externos. Foi dito por muita e boa gente que o défice da Balança Corrente e de Capitais tinha pouca importância, desde que os agentes económicos demonstrassem capacidade para pagar empréstimos e com um mercado alargado de capitais, dinheiro nunca faltaria para os bons projectos de investimento. No entanto isso é mentira e foi preciso um credit crunch à escala global para que ficasse demonstrado que esse défice da Balança Corrente e de Capitais tem particular importância, já que os riscos sistémicos e agregados assumem especial importância, para que os nossos agentes económicos possam sequer negociar com os detentores de capital externos.
Um país com um elevado endividamento e com défices gigantescos na sua Balança Corrente e de Capital (Cf. aqui), torna-se vítima de um credit crunch sob duas formas. Uma espécie de penalização de uma moeda de um país sem... Moeda. Uma forma é o acesso aos financiamentos externos, que secam, ou são demasiados caros. A outra forma, é uma fuga maciça de capitais, com estes a procurarem refúgio em sistemas financeiros mais credíveis e de menor risco de colapso.
E Portugal já conhece a primeira forma de asfixia financeira. Os nossos agentes económicos não conseguem financiar-se para apoiarem os seus projectos de investimentos. Ainda há semanas um consórcio português de construção civil teve que abandonar um concurso público já ganho, num país do Leste, por incapacidade de apresentar garantias financeiras, no sentido que terminaria a obra. No mesmo sector, vários concursos públicos em Portugal estão a ser adiados por dificuldades de financiamento, já que as promessas do Estado não são suficientes para que estas empresas se financiem, pois o Estado português paga mal e a más horas.
Há dias atrás o Grupo Sonae, apenas e só um dos maiores grupos empresariais portugueses, que há poucos meses atrás conseguiu a proeza de reunir um importante financiamento para o lançamento de um OPA sobre a Portugal Telecom, teve que abandonar a construção de um centro comercial porque não o conseguia sequer financiar. Também a EDP terá adiado a construção de barragens por causa dos custos proibitivos do financiamento por capitais alheios. E também existe o rumor que a própria Galp, que recentemente descobriu gigantescas jazidas de crude ao largo do Brasil, está com dificuldades em obter financiamento para cumprir os acordos assinados com os consórcios que explorarão esse petróleo.
Se estas grandes empresas e grupos portugueses mostram fortes dificuldades no acesso a capitais externos, que dizer da generalidade das nossas PMEs, dependentes da nossa banca, para financiar os seus investimentos e até a gestão da sua tesouraria? Se a nossa banca também está a viver as dificuldades de um credit crunch que afecta sobretudo as instituições financeiras?
A segunda forma de asfixia do nosso país é a fuga de capitais. É minha convicção pessoal que se assiste a uma fuga de capitais rumo a países mais credíveis. E na verdade, com as autoridades portuguesas que temos, não é de admirar que os detentores de capitais, residentes ou não residentes, escolham melhores paragens para guardarem os seus preciosos capitais. Se não, vejamos o tipo de país em que vivemos. Temos um Governo, cujo líder, o seu Ministro das Finanças e o da Economia, sempre mostraram incapacidade para compreender que tipo de crise se vive por esse mundo fora. Além de não compreenderem, ainda se negaram a admitir que Portugal seria um dos países que mais sofreria com esta crise, na medida que tem um elevado défice na sua Balança Corrente e de Capitais e os seus agentes económicos altamente endividados, inclusivé as famílias na casa dos 130% dos seus rendimentos. Além de negarem que Portugal poderia ser um dos países mais afectados com esta crise financeira, sempre mostraram não estarem sequer preparados para enfrentar um eventual colapso sistémico do seu sistema financeiro. Limitaram-se a acusar os americanos de provocar a crise, de exigirem acção por parte deles, mas nunca fizeram o seu trabalho de casa e nem tomaram medidas preventivas. E chegaram ao cúmulo de ficarem à espera que um eventual Directório europeu tomasse medidas para combater a crise financeira. E, para cúmulo da desgraça e da completa incompetência das nossas autoridades, tivemos uma notícia em que se sugeria que o Governador do Banco de Portugal, sim esse mesmo, teria desabafado que havia duas pequenas instituições financeiras à beira da ruptura. E essa notícia, propagada por vários orgãos de informação, nunca foi sequer desmentida, podendo estar a gerar uma crise sem precedentes em todas as pequenas instituições financeiras portuguesas. Já que este tipo de boatos, propagados pelo próprio Governador do nosso Banco Central, podem destruir a confiança nesse tipo de instituições. E levá-as-à falência.
Nesta altura o principal cancro e risco da nossa economia reside no assustador défice da Balança Corrente e de Capitais. Este défice tem sido a principal causa das crises catastróficas dos países altamente endividados. A saber, Islândia, USA, Irlanda, Grécia, Espanha e a seguir, Portugal?Além deste pesado défice, Portugal não consegue sequer crescer à mesma taxa dos seus parceiros europeus, o que gera ainda mais receio junto dos investidores estrangeiros, que assim se recusam a emprestar dinheiro e até investir em Portugal. Se somarmos umas autoridades incompetentes e que reagem a reboque dos acontecimentos e nem sequer tomam medidas preventivas, estando à espera que sejam os estrangeiros a tomarem medidas de combate à crise financeira, temos os ingredientes para que esta crise financeira se torne num pesadelo económico para os portugueses.
Assim sendo, com os resultados práticos da incapacidade europeia em assumir os custos do combate a este crise, países como Portugal encontram-se na linha da frente dos que mais pagarão pelos seus próprios erros. A Alemanha não deseja pagar a resolução da crise financeira europeia e deixou para cada país o seu custo. E Portugal nem sequer tomou medidas que evitassem que esta crise se torne catastrófica para Portugal e para os portugueses. Além de se mostrar incapaz sequer de evitar que boatos, eventualmente propagados pelo Governador do Banco Central, ponham em causa bancos pequenos e o sistema financeiro como um todo.
Nos próximos meses haverá um teste profundo a Portugal e às suas autoridades. Portugal terá que resolver os seus problemas económico-financeiros, sem esperar a ajuda e muleta alheia. Terá que suprir a incapacidade de aceder aos capitais alheios e de evitar uma fuga maciça de capitais. Terá que impedir o colapso das suas instituições financeiras, apenas com os seus parcos recursos. Será capaz de o fazer neste contexto mundial? Não. E não sendo capaz, na prática a Cimeira do Directório do passado fim-de-semana sentenciou a permanência de Portugal na Zona €uro. Porque Portugal não consegue sequer gerar rendimentos que paguem a já sua pesada dívida quanto mais conseguir atrair capitais que impeçam o colapso da sua economia. Ou seja, é uma questão de tempo até que Portugal abandone a Zona euro ou seja convidado a sair, pelo seu próprio pé. O Pedro Arroja dá 25% de hipóteses a que Portugal ainda faça parte do euro em Outubro de 2009. Eu não sendo capaz de atribuir essa probabilidade, apenas penso que se não for em doze meses a saída do euro, Portugal, lá para 2013, terá a sua própria moeda: o Tostão Furado.
15 comentários:
Escrevi isto anteriormente sobre este texto:
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Confesso que não percebo este raciocínio. Do ponto de vista "micro", das empresas, e não "macro", do país como um todo, qual é a diferença estrutural entre estar sedeado em Portugal ou noutro país qq da zona euro? Os impostos são diferentes, ok. A burocracia é diferente, ok. Mas quanto à maior parte do resto, fora questões "de segunda ordem" comparativamente menores, uma empresa não está em Portugal, nem na Alemanha, nem na Holanda, nem noutro país euro qq. Está na zona euro. Posto isto, o problema é do Estado, e não das empresas nem sequer dos particulares. Ora isso até pode ser uma boa maneira de meter o Estado na ordem, à força.
Por outras palavras, se voltássemos ao escudo aí sim era motivo para as empresas saírem de Portugal (pelo menos as que agora exportam ou que pudessem passar a apostar apenas na zona euro, abandonando o mercado interno). E para aumentar drasticamente a emigração.
Explicando o meu ponto de vista de outro modo: isto é ter de Portugal uma visão fechada, como se o país inteiro (Estado + particulares + empresas) fosse uma única entidade presa no território geográfico nacional. Ora o que o Euro e as regras de livre circulação comunitária nos vieram trazer foi precisamente a ausência de fronteiras para uma parte significativa das actividades económicas. Quando se fala em "Portugal abandonar o euro", está-se concretamente a falar em que parte de Portugal? No Estado? Por que razão as empresas iriam abandonar os negócios em euros? Os particulares seriam proibidos de abrir contas bancárias na zona euro?
Por que é que as empresas iriam trocar um mercado euro pela incerteza cambial de um escudo volátil? Por que é que os particulares haveriam de querer receber o salário em escudos quando os empréstimos para pagar a casa podiam ser contratados no estrangeiro, em euros, se calhar com mais estabilidade e em condições mais favoráveis do que num país à deriva?
Caro Tiago,
Este assunto tem alguma tecnicidade, tipo teoria das redes TCP/IP :)
Portugal será obrigado a sair do Euro ou sairá por si próprio caso o nível de dívida externa (familiares, empresas e estado) se torne incomportável. Quase ninguem em Portugal está NESTE MOMENTO interessado em abandonar o Euro. Mas se se mantiver o actual nível de endividamento externo, os financiadores, naturalmente começaram a exigir cada vez maior spread para emprestar. Aí naturalmente os portugueses começaram a pensar 2 ou mais vezes se vale a pena manter no Euro. NESSA ALTURA todos quererão abandona-lo.
Este é um assunto macroeconómico. Em termos microeconómicos, isto é, decisões individuais dos particulares e empresas, é de facto indiferente estar em Portugal ou fora.
Caro José, implícito no meu ponto é precisamente que o conceito de "dívida externa" cada vez se aplica menos aos particulares e às empresas, mas apenas ao Estado. ;-)
Por outras palavras: implícita neste post está uma visão do mundo anterior à globalização, que de facto já acontece. Hoje em dia não me parece que a situação possa ser analisada nos mesmos termos que dantes eram habituais. Uma coisa é a situação do Estado, outra completamente diferente é a dos particulares e das empresas. As empresas hoje quase "já não têm pátria", e os particulares, do ponto de vista económico, cada vez menos.
Tiago,
A dívida externa é de todos, empresas particulares e estado. Obviamente que nos nossos creditos pessoais não pedimos dinheiro junto do Dexia ou Fortis ou RBSoctalnd ou JPMorganChase, mas os bancos portugueses pedem, para nos emprestar.
Vamos assitir nos próximos anos a uma «desglobalização», isto é, uma contracção no comércio externo e investimento fora do pais de origem precisamente devido à recessão. Estas provocam sempre «desglobalizações».
Tiago, mais uma vez lhe digo: Se eu fosse falar de teoria de redes IPs ou sobre o comportamento físico na proximidade das membranas, que é a área de doutoramento do JMiranda do Blasfemias, baseado apenas no meu senso comum e inteligência média, vocês se aperceberiam que eu não tenho bases.
José Silva,
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Só para lhe agradecer o ter-me recomendado em tempos o blogue "Money Matters".
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O texto de hoje sobre a "correcção" diz tudo
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"Obviamente que nos nossos creditos pessoais não pedimos dinheiro junto do Dexia ou Fortis"
Essa é boa! E por que não, especialmente a partir de agora? Isso já é permitido, ou estou enganado? E então as empresas, não fazem já isso?
Caro CCZ,
É tão bom que só mesmo para amigos...
Tiago,
Não deixa de ser divida externa, quer voce peça ao BCP e este a um banco estrangeiro, quer você peça directamente ao dito banco.
O que inporta é que a economia nacional está profundamente endividada face às receitas que obtem. Por isso a balanca de transacções correntes está desiquilibrada. Apenas se equilibra com mais dívidas ao exterior... Tal como você banqueiro, perante uma empresa ou particular já endividado, vai chegar a um ponto em que só empresta mais caro ou deixa mesmo de emprestar. Nessa altura será preferível deixar de pertencer ao Euro para poder desvalorizar a moeda...
Caro José, umas notas mais.
Uma das razões para esta crise financeira actual foi precisamente o suposto grau de especialização que seria necessário para se perceber o que se estava a passar. Aquilo que parecia evidente a um leigo minimamente alfabetizado, e que aliás foi tão bem explicado por Warren Buffett em 2003 na célebre carta aos accionistas da B.H., não foi compreendido pelos "especialistas". E deu no que deu.
Quem está "metido no meio", e de facto tem conhecimentos específicos sobre o assunto, por vezes, na vertigem dos conceitos esotéricos e da complexidade real dos mercados, esquece-se de alguns pressupostos básicos sem os quais nada do resto faz sentido. Foi assim com a falta de bom senso relativa a investimentos em activos que na prática eram desconhecidos.
Outro exemplo: o que eu dei há dias com a "emissão pirata de moeda" em que, pelos vistos, se verificou que eu tinha razão quando os especialistas perceberam o meu raciocínio após o analisarem sem preconceitos, depois de numa primeira fase o ignorarem por eventual falta minha de bases.
Este post do anti-comuna assume uma série de pressupostos que, a meu ver, estão errados. Por exemplo esse de as pessoas e as empresas não recorrerem à banca estrangeira (pelo menos na zona euro), especialmente se se desse o risco de voltarmos ao escudo. Pressupõe também que o Estado de um único país, neste mundo com circulação quase livre de pessoas, bens, serviços e capital, ainda pode ter impacto absolutamente decisivo nas Finanças desse país (país como um todo, incluindo cidadãos e empresas) se agir isoladamente.
O que eu digo, portanto, é que se se pusesse a hipótese de sair do euro, eram os cidadãos e as empresas que fugiriam do escudo, independentemente da vontade do Estado.
José, o que é isso de "economia nacional"? ;-)
A saída do euro não vai ser anunciada. Vai simplesmente acontecer algures numa noite futura.
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Quando acordarmos de manhã e ouvirmos as notícias só aí saberemos que todo o dinheiro depositado nos bancos foi transformado em "amendoins" (a nova moeda) que vale 50 a 60% do euro.
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Quem tiver dinheiro na mão talvez o possa guardar para uso futuro... a famosa lei de Gresham.
"Isso já é permitido, ou estou enganado?"
Os bancos têm que pelo menos ter uma sucursal em Portugal.
Nota: As exportações portuguesas equivalem apenas a 30% do PIB. Ainda falta muito para uma globalização plena. Daí que a capacidade das empresas e particulares pagarem os seus empréstimos depende ainda muito do desempenho da envolvente nacional. Pelo que uma contração brusca do crédito implica tendencialmente dificuldades a todos os agentes economicos sedeados no nosso país.
O seu exemplo pressupõe empresas a operar em Portugal, mas sem clientes portugueses (ou com pouca relevância). É um cenário que se aplica apenas a uma minoria das empresas. Para todas as outras, basta o facto de estarem sedeadas em Portugal para os bancos aplicarem um spread extra por "risco país".
Obviamente que adicionar a isto o spread por "risco taxa de câmbio" se torna um problema adicional.
Por outro lado, desvalorizar a nossa moeda (tornando as exportações mais baratas e importações mais caras) pode vir a ser a única forma de equilibrarmos a nossa balança de pagamentos para conseguirmos pagar o que devemos.
Não alinho no cenário catastrofista do Anti-Comuna. Mas se não começarmos a levar este assunto a sério, corremos o risco que ele se torne real. Por algum motivo tenho nos últimos meses vindo a chamar à atenção para isto.
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