1- Um problema de falta de ética
Surgiram notícias, no Expresso do dia 21/06/2008 e no Diário Económico de 23/06/2008, em que se afirma que a gestão privada e autónoma do aeroporto Francisco Sá Carneiro seria deficitária. Os textos publicados sustentam-se num suposto Estudo encomendado pela ANA à Boston Consulting Grupo e à Universidade Católica Portuguesa.
Este estudo apenas foi disponibilizado a estes 2 jornais. A mais nenhum foi mostrado, e muito menos ao grande público. Comportamento típico de quem gere as empresas públicas como se fossem suas. A ANA, como empresa pública, e dado o teor do documento, tem a obrigação de o disponibilizar, para que esta possa ser escrutinada pela comunidade científica e empresarial, pelos órgãos de comunicação social, bem como pelo público em geral, tal como aconteceu com os estudos encomendados pela Associação Comercial do Porto e a Junta Metropolitana do Porto.
Este comportamento é, pelo que sabemos, recorrente nas nossas "elites" governantes. Já na discussão do aeroporto da OTA, eram citados estudos não publicados (e da mesma forma, grande parte dos estudos contrários à OTA foram retirados...)
Acrescente-se ainda que nada é dito sobre a data da elaboração do estudo e que, ao que sabemos, o estudo poderá mesmo nem sequer existir. Cabe à ANA demonstrar o contrário. Sob pena de começarmos todos a citar estudos da "prestigiada" Fundação Richard Zwentzerg...
2- Não são os privados que demoram 20 anos a ter lucro, é a ANA.
"Com base no activo líquido e montante equivalente à sua remuneração, ee o aeroporto operasse de forma independente desde 2008, apenas em 2028 seria compensado" (todas as citações são da edição em papel do Diário Económico)O Estudo não avalia qual o impacto de ter uma gestão mais eficiente (baseada em benchmarks internacionais), ou no potencial adicional de sinergias através da sua ligação a outros negócios. Apenas avalia quais os resultados o aeroporto teria caso fosse gerido de forma independente pela mesma entidade que o gere actualmente, a ANA. Portanto, a única conclusão que daqui se pode retirar é a que dá título a este post: a gestão da ANA demorará 20 anos a ter lucro no Aeroporto Sá Carneiro.
3- A gestão independente e fora do "universo" da ANA é benéfica para os contribuintes
"Uma gestão independente teria como resultado um aeroporto altamente deficitário, que necessitaria de subsídios com recurso ao Orçamento de Estado"Esta afirmação é simplesmente implausível. Se o Aeroporto Sá Carneiro é deficitário, a sua concessão implica automaticamente a redução de um encargo para o Estado. Pelo contrário, implica uma receita adicional. (Nota: não se sabe se o Aeroporto Sá Carneiro é ou não deficitário, pois a ANA recusa-se a disponibilizar as contas por aeroporto).
4 - Um estudo que revela falta de conhecimentos básicos de Finanças Empresariais
"Com base no activo líquido e montante equivalente à sua remuneração (...) apenas em 2028 seria compensado".Usar a remuneração do activo líquido como indicador pressupõe que, para o proponente a concessionário, é relevante saber qual o valor que a ANA investiu no aeroporto, mas irrelevante o Valor (VAL) desse investimento. Ora, é precisamente ao contrário que as coisas funcionam. O investimento inicial é um custo afundado, já aconteceu. O relevante é qual o seu valor hoje. E, se hipoteticamente a ANA gastou 500M€ no aeroporto e só espera reaver 400M€, fica a ganhar se um concessionário lhe oferecer 450M€.
5- Ausência de uma política de investimentos racional na ANA
Tendo em conta que o Aeroporto Sá Carneiro tem superado fortemente os objectivos traçados pela ANA para este aeroporto, a ser verdade que o Aeroporto tem resultados negativos, isso significa que a ANA fez investimentos nos quais já sabia à partida que iria perder dinheiro, ou que os fez sem avaliar o seu retorno potencial.
6- Um tiro no pé. A ANA deveria ter aceite a proposta da Ryanair.
"O estudo ponta ainda que, para o aeroporto atingir proveitos teria de ter um "acréscimo teórico de 4,6 milhões de passageiros"A proposta da Ryanair de criar uma base no Aeroporto implicava cerca de 3,5 milhões de passageiros adicionais. Ficava a faltar 1 milhão. A ANA não aceitou a proposta porque desconhece o conceito de custo marginal... (ver ponto seguinte).
7- Uma proposta de política de preços totalmente desadequada.
"O estudo prevê aumentos de 165% no preço médio cobrado por passageiro em
(...) taxas aeroportuárias."
Tendo em conta que o custo da infraestrutura é um custo afundado, e que os custos da sua manutenção são na sua maioria fixos, chegamos à conclusão que o custo marginal de mais passageiros é aproximadamente zero. Logo, para maximizar o lucro, o importante é maximizar a receita. E tendo em conta a capacidade de crescimento disponível, a solução mais adequada é a prática de descontos de quantidade através de sistemas de rappel (como foi proposto pela Ryanair).
Tendo ainda em conta os preços praticados pelos aeroportos mais próximos (Lisboa e Santiago), mas também nos mercados de city break concorrentes, uma redução dos preços em 5% poderia resultar num crescimento do número de passageiros mais que proporcional. Logo, mais lucro.
Subir o preço, apenas quando o aeroporto estiver próximo do seu limite de capacidade. O aeroporto Sá Carneiro é um aeroporto receptor e não emissor. Não tem mercado cativo. Logo, a estratégia proposta não faz sentido. Que a ANA pense o contrário é muito revelador. E é mais uma razão para querer uma gestão independente.
Em resumo, a conclusão a retirar é a oposta da que titula a notícia. A conclusão é que só fora do universo da ANA pode o aeroporto tornar-se num activo gerador de valor tanto para o seu operador (concessionário), para a região (maior crescimento económico) e para o Estado (maiores receitas).
Adenda: Para referência, cito aqui alguns links de resposta a este estudo:
"O presidente da ACP, Rui Moreira acha bizarro e paternalista que ao mesmo tempo que se queixa do défice operacional da unidade do Porto, a ANA se oponha tenazmente a que ele seja concessionado isoladamente. "Se o activo é deficitário, a ANA e o seu accionista deviam deviam aplaudir a sua concessão. É que a empresa passa a valer mais sem ele", diz Rui Moreira.
A ACP nota que os estudos da ANA são feitos segundo a sua lógica de gestão, sem atender a outros cenários eventualmente mais virtuosos e lucrativos. Por exemplo, um grupo como a Sonae pode potenciar os resultados do "centro comercial" em que se transformaram os aeroportos." - Expresso
"É intolerável que administração da ANA opte pela opacidade em vez da transparência e que não faculte os resultados do seu modelo de gestão", acusou o professor (Aberto Castro) durante uma conferência de imprensa da ACP." - Expresso
"Não sei se existe esse estudo, o que existem são algumas contas que a ANA fez, que nos enviou e que nem sequer batem certo". (...) Segundo o autarca (Rui Rio), a notícia "é inábil do ponto de vista político porque, ao dizer que a gestão privada do aeroporto dará enormes prejuízos, permite à JMP dizer que aceita a gestão mesmo com esses prejuízos. A nossa lógica nunca foi financeira. Entendemos que o que está em causa é o desenvolvimento económico regional e não uma mera contabilidade de deve e haver", afirmou. - RTP
6 comentários:
Também seria interessante saber, com a actual gestão da ANA, quantos anos vão ser precisos para amortizar o novo aeroporto no "deserto"?
As declarações de Rui Rio também têm piada:
<<"Acho que a notícia é da responsabilidade da ANA", salientando que ela "contraria as posições que o Governo tem manifestado relativamente à concessão da gestão do Sá Carneiro".
Para Rui Rio, "o governo está alheio a isto".>>
Se não soubesse até dizia que ele pertencia ao partido da oposição!
Sem dúvida que o governo tem apoiado e muito a privatisação do ASC, em particular o sapiente M. Lino!
Não podemos deixar fugir esta oportunidade, a gestão privada do ASC pode servir como catalisador de uma maior iniciativa local, e progredir independentemente da corja que não sai de Lisboa!
Rui Rio é mais inteligente do que parece. Está a isolar a ANA face ao governo.
O governo nunca irá assumir a "paternidade" da notícia.
Está a obrigar ao governo a uma imagem de abertura face à questão do aeroporto. E assim, aumenta os custos políticos para o governo se este recusar uma proposta de concessão que seja razoável.
"Não podemos deixar fugir esta oportunidade, a gestão privada do ASC pode servir como catalisador de uma maior iniciativa local, e progredir independentemente da corja que não sai de Lisboa!"
Os diversos agentes do norte (autarcas, associações empresariais, empresas, universidades, blogosfera, algumas figuras públicas) estão a unir-se em torno do aeroporto.
Vai ser muito dificil ao governo não ceder. Arrisca-se a ter de enfrentar o norte em peso.
Se Rio está a tentar isolar a ANA ou tentar não se isolar a si próprio do governo, não sei. Mas não me espantava por completo que o governo usasse este tipo de "estudos" por encomenda para justificar a política que mais lhe conviesse.
Ah, quanto a isso não tenho dúvidas.
Todos os estudos relacionados com o modelo de privatização da ANA são feitos com aval do governo, não?
Enviar um comentário