Caro Filipe,
Ao fim de alguns dias, finalmente vou comentar o teu post (aqui também) sobre a tua intervenção no debate sobre a regionalização da semana passada no Auditório Almeida Garrett, Porto. Elogio-te a integridade de publicares o teu comentário tal como ele foi feito nesse dia, pois tenho algumas dúvidas que ainda vejas as coisas da mesma forma. Mas como tu próprio dizes, interviste como agente provocador. Tenho a dizer o seguinte:
1- O mapa administrativo do país deve reflectir a sua realidade substantiva. Ora, a cidade do Porto hoje em dia extravassa os limites do concelho do Porto, tanto para sul (Gaia) como para Norte (Matosinhos, Sra. da Hora, S. Mamede Infesta, etc.), se tivermos em conta a existência de um contínuo de elevada densidade urbana entre estes concelhos, ainda que seja um aglomerado urbano de características policêntricas.
Historicamente e substantivamente Gaia e Porto são a mesma cidade (até etimologicamente - Portus Cale), situação comprovada pelo facto da zona classificada como património Unesco incluir os centros históricos do Porto e de Gaia. Aliás, até ao princípio do século passado, o concelho do Porto abrangia o Porto, Gaia (centro histórico) e o porto de Leixões.
Salvo mais douta opinião, se o Porto absorve Gaia ou o inverso é uma "não questão": estamos a falar de uma única cidade. Que nunca deveria ter sido formalmente separada.
2- Não é verdade que é só no Porto que se fala de regionalização. Esse é um preconceito que é fácil de desmontar, e a sua existência é reveladora do desiquilíbrio regional do país. O que se passa é que apenas os agentes do Porto têm Voz suficiente para se fazer ouvir no resto do país. Ou seja, não é "apenas o Porto fala de regionalização", mas "apenas o Porto tem Voz para falar de regionalização". Também o Algarve em peso, Viseu, Minho, Alentejo e Lisboa a defendem.
Quanto à questão do centralismo nortenho tem muito que se lhe diga. As poucas vozes que no país se ouvem na defesa do Douro são do Porto. Aliás, a linha do Douro foi financiada pelos empresários portuenses. E, a título de exemplo, no início do século passado o Porto quis criar uma "junta do norte", financiada exclusivamente pelo município do Porto, para realizar no Norte as obras que o Governo de Lisboa não fazia. (Foi impedido.) Parece-me que isto é precisamente o oposto de concentracionismo...
E diga-se que historicamente a luta do Porto tem sido pela sua autonomia. E a luta dos poderes dominantes (nobreza, bispado, Estado Central) tem sido por reduzir a sua autonomia. A luta do Porto não é pelo domínio das áreas circundantes: o policentrismo da área entre Aveiro e Viana é disso revelador.
3- "Para votar a favor teria de se regionalizar todo o país excepto o Porto. A região norte seria à volta do Porto; o Porto seria um enclave nortenho da região de Lisboa".
Afirmas que o que motiva o Porto é a inveja a Lisboa, mas acabas por propor o domínio do Porto por Lisboa. Compreendo o teu medo de neo-centralismo. Não vejo é porque motivo queres negar ao Porto a sua autonomia. Provocação: será que Lisboa tem medo do Porto, e precisa de o manter sob controle?
4- Quanto às questões da Constituição obrigar à Regionalização, parece-me que tal não é argumento válido. Da mesma forma que se colocou na Constituição, também se retira. O importante é que haja vontade política (dos políticos e da população). É um argumento de autoridade que se limita ao lavar de roupa suja.
P.S. Foi um prazer conhecer-te pessoalmente. Próxima vez que venhas ao Porto, p.f. deixa uma nota aqui no Norteamos.
Nota: A intervenção do público no Porto não foi uma excepção neste debate. É comum em todos os debates a que assisti. Sem qualquer juízo de valor, e sem pretender fazer provocações, pergunto-me qual a razão para não ser assim em Lisboa?
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5 comentários:
Esse senhor, tem um osso entalado notoriamente...
não se esqueça do minho!
Sem dúvida que há medo...o Norte gera muita da riqueza...depois mal distribuída....
Já incluí o Minho.
Como dava um bocado de trabalho estar a colocar todos os distritos do país, escolhi um exemplo por região, fora do Norte. Mas de facto é importante realçar que, mesmo no Norte, não é só no Porto que se luta pela regionalização.
Não tenha dúvidas que não é so no Porto...Os Minhotos estariam completamente de acordo...alguns até gostariam de uma recuperação da união galaico-minhota...já que a cultura é tão comum...
Não tenho tanta certeza quanto a esse unanimidade.
Já que dá valor às raízes históricas, não se esqueça de uma das principais características das tribos celtas: apenas se uniam perante o inimigo exterior. Salvo isso, estavam em permanente luta entre si.
E isso é particularmente patente no minho. Acho que não preciso dar exemplos.
O bairrismo bacoco é aliado do centralismo, normalmente de forma declarada.
Tal como o separatismo, embora de forma inadvertida.
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