Europa das nações e dos cidadãos - 1
Europa dos burocratas - 0
O "Não" ao Tratado Europeu ganhou o referendo na Irlanda. Mas os burocratas europeus, depois de terem promovido golpes de Estado em França e Holanda, ao ratificarem no parlamento o que os povos desses países rejeitaram, estão já a preparar o contra-ataque.
Consideram que o país rejeitou o tratado por razões de política interna, apesar de ter sido o país que mais ganhou com a integração europeia (duplicou o PIB em 15 anos!). E, por conseguinte, irão mais uma vez "maquilhar" a Constituição Europeia, mudando-lhe o nome e uns parágrafos avulso, para convencer os eleitores irlandeses a votar “sim” num eventual segundo referendo ou a adopção de um mecanismo para os restantes 26 Estados-membros prosseguirem as reformas institucionais sem a Irlanda.
Os burocratas europeus estão completamente "divorciados" dos cidadãos que é suposto representarem, ao ponto de estarem dispostos a aprovar à sua revelia um Tratado crítico para a Europa.
A Europa não está em crise porque a Irlanda rejeitou o Tratado. A Europa está em crise porque os burocratas europeus rejeitaram os cidadãos que deveriam defender.
Nota: Não sou nem a favor nem contra o Tratado. Simplesmente sou contra um processo que considera os cidadãos um empecilho. Por muito que custe, a Europa tem de ser construída com os cidadãos e não "apesar" dos cidadãos, sob pena de ser um gigante com pés de barro. Agradeço à Irlanda ter rejeitado um Tratado que eu não pude votar, e para o qual os deputados que o ratificaram não tinham sido mandatados.
7 comentários:
Caro Pedro,
O que se pode esperar duma 'coisa' que tem à cabeça um cobarde fugitivo cúmplice numa das maiores ignomínias praticadas pelo ocidente depois da II guerra? Estes políticos carreiristas vão acabar por matar um projecto bondoso que foi a ideia de união da europa.
Porreiro Pá
Discordo. Só para deixar claro. Como defendi quando disse que Portugal deveria, apesar de tudo, referendar o Tratado de Lisboa, acho que o mal nestas "decisões" dos povos está no facto de não haver consequências para quem diz não, ao mesmo tempo que "obriga" todos os outros a aguentar com essa "decisão".
Não é um sistema equitativo. Mesmo que as pessoas merecessem o direito de se pronunciar, o que eu defendo, mas é discutível.
E parém lá de punir os "burocratas" europeus - que não sou, para que não haja confusões. Não há nenhum burocrata no mundo, seja nas organizações do Estado, seja nas privadas, que possa fazer o que os políticos não querem. Esses funcionários podem "inventar soluções", propor "esquemas", etc, mas não são responsáveis nem pelos bloqueios institucionais - que é como quem diz, das medidas que não agradam a uns quantos - nem muito menos pela forma como os políticos promovem as soluções que escolhem.
Pior de tudo é a ilusão de que seria possível negociar um tratado melhor, com 27 à volta da mesa.
A Europa perde muito com estas ilusões. E Portugal também.
Ventanias:
1- Entendo que os Governos têm legitimidade para estabelecer estes tratados. Só não a têm quando o mesmo tema foi antes chumbado em referendo (França e Holanda) ou quando o partido no governo (PS, mas também o PSD) se comprometeu a referendar (pelo menos Portugal).
O que significa que em pelo menos 3 países não havia legitimidade no parlamento para ratificar o Tratado.
2- Quando falo de burocratas europeus estou a falar de políticos. Especificamente dos que se vêem a si próprios como funcionários que não têm que prestar contas aos cidadãos.
De resto concordo consigo: não existem Tratados perfeitos, existem tratados possíveis. E por vezes isso é difícil de explicar aos cidadãos o processo de cedências mútuas que um Tratado envolve. Mas sendo assim, não se deve prometer ao povo o que não se pode cumprir.
A questão que levanta, meu caro Pedro Menezes Simões, é das mais interessantes nesta matéria e porventura, paradoxalmente, das menos debatidas. Trata-se do seguinte: será legitimo referendar localmente uma questão global? Isto é, o não francês devia dizer respeito só aos franceses; mas não, diz respeito a toda a Europa.
Imaginemos que o Norte, ou o Porto, decidia referendar a regionalização, unilateralmente. Seria legítimo? Se sim, as suas consequências deveriam repercutir-se no Estado? Se não, porque é que há-de ser diferente no plano europeu?
Este,confesso, é também o aspecto que mais me encanita. Fiquei incomodado por os meus governantes me terem impedido de referendar o Tratado, embora fosse aa favor do mesmo. Mas não é por isso que fico contente por os irlandeses terem votado contra; eles tiveram oportunidade de se pronunciar e escolheram ser contra o tratado. Como eu sou a favor, não posso ficar contente, ainda que lhes inveje a sorte de terem tido oportunidade de se pronunciar.
Portanto, uma coisa é a legitimidade de todos os países se pronunciarem, que não está nem nunca esteve em causa, outra coisa é o método dessa pronúncia. E no caso dos referendos, creio que o facto de não haver consequências para o "não" subverte as virtudes do referendo. Porque penaliza todos os outros parceiros negociais, porque lhes impõe um determinado resultado, que pode ter sido decidido por quaisquer que razões que seja. E porque não significa nada para quem vota não, a não ser porventura a satisfação de ter imposto um castigo aos seus políticos - fraco prémio, convenhamos. E, de qualquer forma, pouco democrático à escala europeia.
Caro Ventanias,
Saliento 2 aspectos que, em meu entender, dão uma resposta à sua questão:
1- Esta ainda é uma "Europa das Nações". É, por isso, ao nível da nação que a soberania se encontra, pelo menos para a discussão de questões europeias (já vamos à regionalização...).*
Pelo que os Irlandeses não podem decidir pela UE, mas a UE também não pode decidir pelos Irlandeses.
2- A unanimidade como condição necessária para que o Tratado entre em vigor foi uma decisão dos países signatários. Poderiam, por exemplo, ter decidido que entraria em vigor bastando que 20 países o ratificassem (entrando só em vigor para esses paises).
Ou seja, essa "penalização" de quem é a favor do Tratado foi precisamente definida por quem é a favor do Tratado. No Tratado de Maastricht (União Monetária) possibilitou-se que só aderissem os países que o pretendessem, e não todos. Porque motivo não se previu esta mesma possibilidade aqui?
Em conclusão, não foi a Irlanda que decidiu que a sua decisão teria impacto para a UE. Foi cada um dos países membros que livremente lhe atribuiu essa legitimidade. É, portanto, a estes (governos) que cabe essa responsabilidade.
*Esta é uma regra básica em democracia: um grupo pode decidir por si, mas não por outro grupo.
Efectivamente o Norte não pode decidir da regionalização do país, mas pode decidir da sua própria regionalização. Obviamente que depois vem uma questão adicional: qual a delimitação da região norte com legitimidade para tomar essa decisão? (Se Trás os Montes for claramente contra, então TOM não fará parte desse norte...).
Esta é uma questão que não se coloca ao nível do país, pois há um claro consenso acerca da delimitação do Estado-Nação. Daí que, a meu entender, se uma região unilateralmente votar favoravelmente a regionalização, é necessária uma maioria clara (i.e. superior a 60%) e homogénea (nenhuma "sub-região" com menos de 40%).
Aliás, o que provavelmente irá acontecer é precisamente o que aqui estou a propôr: que o Tratado entre em vigor, para os países que o ratifiquem, a partir do momento em que 80% dos países o ratifiquem. Suponho que tal implique implique a divisão do Tratado em duas partes: as questões de funcionamento interno da união e entrada da croácia de um lado (e que terão de ser acordadas por todos) e as questões de aumento de soberania para o outro (válidas para quem as acordar).
Por último, uma reflexão: é preferível uma União que avance lentamente mas de forma firme, do que avançar rapidamente com base numa falsa (e por conseguinte precária) unanimidade entre os seus membros. Será que a europa seria melhor se tivessemos 5 países a reclamar porque queriam sair da zona euro?
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