20080606

A Linha do Tua: Histórias da ignomínia


"Liberdade. Passei a vida a cantá-la, mas sempre com a identidade no pensamento, ciente de que é ela o supremo bem do homem. Nunca podemos ser plenamente livres, mas podemos em todas as circunstâncias ser inteiramente idênticos. Só que, se o preço da liberdade é pesado, o da identidade dobra. A primeira, pode nos ser outorgada até por decreto; a outra, é sempre da nossa inteira responsabilidade."

Miguel Torga, Diário XVI, Ed. Círculo dos Leitores, 2001, pgs 1566-1567

Depois de mais de 120 anos sem um único acidente, de um momento para o outro, os descarrilamentos na Linha do Tua passaram a ser como as cerejas: vêm sempre aos pares.

Na região, a EDP, espécie de Companhia das Índias em Trás-os-Montes, pretende construir um conjunto de novas barragens que, imagine-se, apenas acrescentam 3% à capacidade instalada para produzir energia eléctrica a partir da força hídrica. A barragem no Rio Tua acrescentará à capacidade produtiva uma verdadeira ridicularia. Mas isso não interessa, o que interessa é valorizar a capitalização bolsista da EDP – quanto mais betão espalhado pelo território melhor -, dar dinheiro aos amigos do senhor Jorge Coelho, uma albufeira a uns parolos (autarcas), que julgam que poderão lá semear uns campos de golfe nas margens, montar uns cais de encosto para umas motas de água, e, por essa via, trazer o almejado ‘desenvolvimento’ para a região. Tudo isto numa região gélida no Inverno e tórrida no Verão. O que não faltam são albufeiras em regiões com climas bem mais amenos e propícios a esse tipo de negócio.

A grande mais-valia de Trás-os-Montes não é a água em si. É a paisagem, da qual a água apenas faz parte, tanto a natural – as escarpas selvagens, todo aquele “belo horrível” avassalador - como a construída. E da construída, além do assombroso anfiteatro das vinhas do generoso, ressalta o património ferroviário. É tudo isto que, parece-me, a partir de hoje, está definitivamente posto em causa – a troco de mais uns euros no valor das acções da Companhia das Índias.

Se Portugal tivesse uma classe de engenheiros que honrasse os seus pergaminhos, a sua memória, e todos aqueles que lhes abriram o caminho na profissão, jamais alguém teria a veleidade de destruir o património inestimável, obra heróica da engenharia ferroviária portuguesa, que é a Linha do Tua. Mas enfim, são as ‘elites’ que temos.

Depois de mais de 120 anos sem um único acidente, de um momento para o outro, os descarrilamentos na Linha do Tua passaram a ser como as cerejas: vêm sempre aos pares e tendencialmente no mesmo lugar.
A foto, que tão bem retrata, o "belo horrível" da paisagem trasmontana é do meu amigo Dario Silva.


P.S.1 - Também assim se matam identidades e símbolos.

P.S.2 – Ainda acerca do post sobre o Tuga no Baixa do Porto: a descapitalização das empresas, as dificuldades e a impossibilidade de pagar mais, não obriga nenhuma delas a ter uma política de gestão de recursos humanos que ainda paga tributo ao senhor Frederick W. Taylor; que muitos ‘empresários’ tenham mentalidade de fazendeiros, e muitos ‘ quadros’ um imenso jeito para capatazes. Aliás, como é facilmente verificável na actuação do senhor Edil Rui Rio, e restante comandita, que, no fundo, também são produtos de uma mentalidade que teima em permanecer nesta região.

8 comentários:

Jose Silva disse...

Caro António,

De facto é um símbolo. Mas também uma opção material por betão, barragem, empregos e receitas em Lisboa e destruição de patromónio histórico/natural com potencialidades turísticas e infra-estrutura ferroviária em época de peakoil em TMAD...

Diria que nem só de símbolos vive o homem.

Culpar os empresários do Norte pela situação do Norte, costuma chgar cá com o vendo do sul...

António Alves disse...

a culpa não é toda do sul. sejamos honestos.

mario carvalho disse...

CRIME??

Polícia Judiciária investiga

pg 27 do JN de hoje


Notícia sem impacto

Porquê?

quando não há argumentos para encerrar ... criam-se ???? Será possível que chegámos ao ponto de matar inocentes só para se atingirem objectivos no mínimo obscuros??? SERÁ POSSíVEL???

mario carvalho disse...

O MCLT exige por meio deste comunicado, e em virtude dos acontecimentos recentes na História da Linha do Tua, que os responsáveis pela situação em que esta se encontra sejam de uma vez por todas responsabilizados em conformidade, e que se pare de culpar de forma facilitista a própria via-férrea.

Achamos inqualificável a repetição de uma história que de nova nada tem: em Dezembro de 1991, culminando um longo processo de embate de vontades entre autarcas e o povo sobre a Linha do Tua, dá-se um estranho e inédito encerramento entre Mirandela e Macedo de Cavaleiros, deixando isolado o restante troço entre Macedo de Cavaleiros e Bragança. Poucos dias depois, um descarrilamento ocorre à mesma velocidade em que ocorreu o de hoje perto do Tua, na aldeia de Sortes. Um processo trapalhão, mesquinho e obscuro começa aqui, para só acabar com a Noite do Roubo do material circulante das estações de Macedo de Cavaleiros e de Bragança, em 1992, a coberto da noite, de escolta policial, e de um súbito apagão nas telecomunicações. Tudo isto quando nos meses anteriores se investira uma soma considerável na Linha do Tua, que apesar de tudo permanecia como uma via-férrea envelhecida e com limitações de velocidade absolutamente ridículas.

Não podemos considerar normal, nem tão pouco coincidência, que em vésperas de fins-de-semana prolongados, com a expectativa da visita de centenas de turistas, alguns deles com viagens charter programadas nas automotoras do Metro de Mirandela, a Linha do Tua venha a sofrer um acidente e/ou novo prolongamento das condições degradantes em que se efectuam as circulações ferroviárias e o transbordo por táxi. Queremos deixar bem claro que a ocorrência da descoberta de parafusos afrouxados das travessas há algum tempo é gravíssima. Tão grave quanto isso é a situação que se arrasta por 16 meses da garantia de condições de segurança, que segundo missiva do LNEC em que refere entidades como a REFER e a CP, esta passe aparentemente por questões de velocidades, numa via onde a imposição dos 45km/h em condições normais, e 30km/h com má visibilidade rasam o anedótico em pleno século XXI.

Parece não ser demais voltar a frisar que em 120 anos de História, a Linha do Tua registou 2 acidentes mortais, mas no espaço de ano e meio, com o intensificar dos ataques mesquinhos de quem defende uma barragem no Tua, conta já com 3 descarrilamentos, todos na mesma zona. Ataques estes que utilizaram numa zona perto da dos acidentes o uso de maquinaria pesada e explosivos.

A rapidez com que algumas entidades vêm a público garantir a perigosidade insustentável da Linha do Tua não pode continuar a passar incólume, mormente pelas responsabilidades que tais entidades assumem na sua gestão.

Por estas razões, remetemos ao Governador Civil de Bragança o nosso total repúdio, uma vez que o exercício das suas funções, que passam pela defesa dos interesses do distrito brigantino, nada têm a ver com a celeridade com que vem a público afirmar, sem um mínimo de informação e ponderação, que a Linha do Tua, última via-férrea do distrito que representa, deve fechar porque é perigosa. Propomos ao Senhor Governador que encerre o IP4 imediatamente, pois via de comunicação mais perigosa no distrito não há, e lembramos-lhe que quando remete ao público alguma afirmação fá-lo em nome do Governo que representa, e não de uma circunstancial conversa de café.

Remetemos ainda o nosso reforçado repúdio ao Ministro das Obras Públicas, que em declarações absolutamente ridículas aponta para a instabilidade dos terrenos na zona, e pela facilidade com que ocorreu o acidente de hoje e ocorrem deslizamentos de terras. O acidente de hoje não foi provocado por nenhum aluimento de terras, apresentando-se a via com aparência de total normalidade, e para quem não conhece de certeza a Linha e o Vale do Tua – as suas declarações atestam-no pelo carácter de opinião infundada sobre acontecimentos que na verdade não acontecem – o Ministro comete um grave erro de apreciação. Perguntamos se é num terreno altamente instável e com a maior das facilidades de aluimentos ocorrerem, que o senhor Ministro quer construir uma barragem.

Queremos fazer um forte apelo às entidades legais responsáveis em matéria, bem como ao senhor Presidente da República: nada do que se tem feito nos últimos meses na Linha do Tua tem sido transparente, e questionamos até legal e ético. Se por um lado a EDP rompe e explode terrenos ilegalmente e se desculpa com lapsos, autarcas e responsáveis ferroviários apontam o dedo a uma linha enquanto os passageiros desesperam pelas estradas que contornam o vale do Tua, e o Governo esconde parcimoniosamente a íntegra dos relatórios sobre os acidentes e estudos realizados na linha, quem é responsável pelo que vai acontecendo aqui?

Basta deste jogo do empurra com declarações feitas a martelo. Exigimos clareza, exigimos ética, exigimos acção; e nenhuma destas exigências extravasa qualquer direito cívico consagrado nesta república.

Movimento Cívico pela Linha do Tua, 7 de Junho de 2008

mario carvalho disse...

noticia da investigação da PJ publicada no Jn na integra em

http://pensar-carrazeda.blogspot.com/

mario carvalho disse...

http://descobriransiaes.blogspot.com/2008/05/na-linha-do-tua-4.html

mario carvalho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
mario carvalho disse...

in JN

Afinal.. nem linha nem compensações

É solidadriedade Nacional

INAG discorda das compensações
02h00m
fernando pires
O presidente do Instituto Nacional da Água entende que os autarcas do Vale do Tua não devem reclamar compensações pelo facto de se construir uma barragem na região.

O presidente da Câmara de Mirandela não aceita as explicações O presidente do Instituto Nacional da Água (INAG), Orlando Borges, sustenta a sua afirmação tendo em conta "a lógica da solidariedade nacional", em que todos os empreendimentos dão energia para o país e "não há que reclamar por isso outras compensações", afirma. O presidente do INAG vai mais longe e mesmo que se coloque a possibilidade de se analisar a questão na lógica do potencial hidroeléctrico, verifica-se que a barragem de Foz-Tua "vai produzir energia que é rigorosamente igual à que é consumida na região". Por isso, Orlando Borges diz não fazer sentido a reivindicação dos autarcas para que a verba que a EDP teve de pagar ao Estado, cerca de 53 milhões, pela adjudicação provisória da barragem, seja para os seus municípios. "O que faz sentido é negociarem com o Governo as medidas de desenvolvimento regional, independentemente dos projectos", sustenta o presidente daquele instituto, acrescentando que "se fossem apenas 10 milhões, certamente que não chegaria para os autarcas negociarem medidas de desenvolvimento". Relativamente às consequências resultantes da construção do empreendimento, Orlando Borges admite que, no caso de ser construído à cota máxima de 195, "os impactes negativos são muito significativos", mas considera que há cotas intermédias, entre 170 e 180, que podem resultar em danos menos significativos. Relativamente à linha férrea do Tua, o presidente do INAG diz estar de acordo com o presidente da Câmara de Mirandela, quando defende que a via tem uma mais-valia do ponto de vista turístico e entende a necessidade de haver uma ligação sustentável e eficaz à linha do Douro. No entanto, o presidente do INAG sustenta que essa ligação não tem obrigatoriamente de ser feita de comboio. "Pode haver outras alternativas que agora todos têm a oportunidades de indicar em sede de discussão pública". O presidente da Câmara de Mirandela não aceita as explicações do presidente do INAG, porque considera que os municípios do Vale do Tua deviam receber o dinheiro exigido à EDP pela construção da barragem. José Silvano acha estranho que pela primeira vez o Governo tenha pedido dinheiro pela adjudicação provisória de uma barragem e que a verba vá para os cofres do Estado "em vez de fazerem parte da compensação dos municípios que sofrem as consequências negativas dessa construção". Para além disso, o autarca está convicto que a EDP vai dizer aos autarcas do Vale do Tua que "só pode negociar a partir do dinheiro que der ao Estado, conforme a cota a que for construída a barragem", afirma. O autarca também não acredita na neutralidade do Governo neste processo.

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