20090323

Margem esquerda ou direita, no TGV

Rui Moreira, no Público, recentemente acusou os que defendem a passagem do TGV pela margem esquerda do Tejo (i.e., pela margem sul), de quererem prejudicar o Norte.

Infelizmente, creio que Rui Moreira baralhou várias coisas importantes.

Primeiro. Lisboa será sempre uma cidade de destino final em qualquer linha de TGV. Portanto, discutir a passagem do TGV pela margem sul não tem a ver com o acesso a Lisboa, tem a ver com a ligação ao futuro aeroporto em Alcochete, que ainda tenho esperança que venha a ser cancelado, e à linha para Madrid.

Acontece que também é verdade que se se optar por fazer o TGV andar pela margem sul/esquerda, igualmente se pode fazer a ligação a Lisboa mais a Sul, em Alhandra seria provávelmente o melhor local; deste modo se pouparia muito dinheiro, que faz falta para outros projectos e, se não for para outros projectos, para outros pontos de uma rede ferroviária moderna. Com essa ligação, poderia poupar-se esse erro crasso que é a 3ª travessia do Tejo no Barreiro, ainda por cima ferro-rodoviária, e podia permitir-se a passagem do TGV de Madrid para Lisboa, pelo menos numa primeira fase, pela mesma ligação (Alhandra). Com pouca perda de tempo, segundo dizem os especialistas e com grande poupança de recursos financeiros para o Estado (que é como quem diz, para nós todos). Os erros, politicamente motivados, de quem nos tem andado a impingir essoutras soluções caríssimas, não merecem que se confundam desta forma simplista questões essenciais com questões secundárias... O TGV Porto Lisboa dificilmente será rentável; não é por se pretender que se faça com subordinação a Alcochete que se torna rentável, nem que se inviabiliza a ligação ao Norte. O problema está noutro lado; em primeiro lugar no transporte de mercadorias; em segundo, na ausência de ligação de Pedras Rubras à linha Porto (Braga)-Vigo; finalmente na asneirada da ligação proposta para o Barreiro.

Segundo, a ligação do aeroporto de Pedras Rubras à rede de TGV é uma urgência que devia mobilizar o Norte. Infelizmente, isso não está a acontecer. Do mesmo modo, e por razões inversas, não faz muita falta ligar a linha do norte de TGV a Alcochete. Mas se a linha passar por lá antes de se dirigir a Madrid, não se perde grande coisa...

O erro, o maior erro de toda esta discussão, continua a estar em centrar o debate no transporte de passageiros. Esse é um favor que se faz aos interesses de quem quer impor o TGV sem pensar em rentabilização de investimentos, em relações de custo-benefício e em escassez de recursos.

Do que Portugal precisa e o Norte por maioria de razão, é de uma rede de transporte de mercadorias em bitola europeia. É isso que a RAVE e outras autoridades competentes tem esquecido. É disso que os partidos não falam. Será essa a maior consequência, negativa, das redes que nos andam a impor. E que as nossas empresas exportadoras pagarão muito caro...

Assim como é um erro calamitoso não separar a Ana por aeroporto, antes de a privatizar. É por aqui que se movimentam os interesses dos futuros monopólios público-privados; é por aqui que tem se conduzir o ataque.

É possível um Portugal melhor. Basta querer.

7 comentários:

rui moreira disse...

meu caro ventanias,
se ler o que escrevi sobre o tgv, ao longo dos anos, verá que concordo em muita coisa consigo mas não confundo nada.

para mim, o caminho de ferro em portugal deveria ter uma prioridade:

garantir um corredor em bitola europeia que nos ligue à europa. para mim, o mais fácil seria ligar aveiro a badajoz e medina del campo.

rui moreira disse...

quanto a porto/lisboa:

numa análise custo-beneficio simples, concluiremos que as vantagens decorrerm, em larga medida, da poupança de tempo no trajecto relativamente à linha do norte.
se passar por alcochete, com a paragem no aeroporto -com aceleração e desaceleração - alem da distancia adicional,será ainda menos interesssante, m termos comparativos.
mas, decorre ainda daqui um efeito induzido sobre a competitividade comparada entre os dois aeroportos. abstenho-me de explicar porquê, porque este blog é frequentado por gente que conhece bem estas questões.

António Alves disse...

"Acontece que também é verdade que se se optar por fazer o TGV andar pela margem sul/esquerda, igualmente se pode fazer a ligação a Lisboa mais a Sul, em Alhandra seria provávelmente o melhor local; deste modo se pouparia muito dinheiro, que faz falta para outros projectos e, se não for para outros projectos, para outros pontos de uma rede ferroviária moderna."

caro ventanias, não percebi, culpa minha, bem esta frase: Alhandra é ligeirameente a norte de Lisboa não é?

Julgo que Rui Moreira pretendia dizer corredor Aveiro-Salamanca; estou certo?

Jose Silva disse...

Caro Doutor Rui Moreira,

Acha que estes mega-investimentos se vão realizar através da venda das reservas cambiais e do Ouro do BP ? Relembro que Portugal tem um rácio reservas/PIB ao nível da Alemana.

É que sem usar estas reservas não me parece que seja possível avançar com estes investimentos, dado as restrições no financiamento externo.

Ventanias disse...

Caros senhores,

Esclareço desde que já que Alhandra ainda é a Norte de Lisboa, foi um lapso de que me penitencio. Incorri nesse erro porque estava a pensar na ligação que o Governo propõe, pelo norte de Lisboa em direcção à Ota, mas a Oeste de Santarém e do rio Tejo. Mais uma vez, as minhas desculpas.

Efectivamente o Dr. Rui Moreira, cujas posições públicas muito tenho apreciado, tem defendido a urgência de outras opções, nomeadamente a ligação do Norte (Aveiro e não só) a Salamanca e daí a Medina del Campo que é onde as coisas ganham sentido.

A questão, mas porventura terá sido mau entendimento da minha parte, é que o acento tónico do artigo parecia partir do princípio do erro de fazer passar o TGV do Norte pela TTT, isto é no Barreiro; para já não voltar a falar na paragem em Alcochete (que espero não venha a concretizar-se em vida minha...).

O que pretendi, foi separar as águas em relação às várias questões que essa opção coloca, sem as reduzir às implicações que isso teria para o aeroporto do Porto e para a viagem entre as duas cidades (Porto-Lisboa). Creio que o terei conseguido.

Diria que é chegado o tempo de começarmos a denunciar os erros de planeamento que justificam as opções do Governo, sem cairmos sempre na tentação de reduzir as questões ao eventual prejuízo do Porto e do Norte.

Quem perde, creio eu, é o País; que é como quem diz, nós todos.

Muito grato pela atenção dispensada, estou certo que continuaremos todos a lutar para o mesmo lado e para os mesmos fins.

Cumprimentos

António Alves disse...

caro ventanias,

porque devemos ser sempre nós a zelar pelo interesse nacional? o "interesse nacional" é o interesse da elite dominante. e essa mora em lisboa e nunca a vi prescindir dos seus interesses em prol do nacional. aliás é pródiga em apelidar os seus interesses de nacionais. deixemo-nos de ilusões e tretas nacionalistas. isso não existe. o que existe é um somatório de interesses distintos e até antagónicos. defendamos os nossos interesses que, aliás, também são nacionais. esta região, o Norte, tem 4 milhões de pessoas e o distrito do Porto metade delas. enquanto não tivermos a coragem de impor (isso mesmo: impor) essa realidade não sairemos da cepa torta.

Jose Silva disse...

António, você tem razão. Para a semana volto a esse assunto.

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