20090907

Reabrir ao Tráfego Ferroviário o Douro Internacional (III)

(Nota de José Silva: Republicação de artigo originalmente publicado pelo Prof Manuel Tão em Junho de 2007)

Reabrir a fronteira ferroviária do Douro ao tráfego de mercadorias – porquê?

Vamos avançar introdutoriamente com um conjunto de análises de cenários futuros, centrados sobre as acessibilidades no Norte do país nos próximos vinte anos, sobretudo as que articulam o Grande Porto com o resto da Península Ibérica.

Imaginemos o ano de 2015. Como será o Grande Porto no domínio das acessibilidades terrestres, relativamente aos grandes eixos Ibéricos e Transeuropeus?

Existirá, decerto a auto-estrada A 4, contínua do Porto a Quintanilha, com a construção da extensão de Amarante ao Nordeste Transmontano, incluindo um longo túnel rodoviário, atravessando o Marão. E em termos ferroviários?

O Porto será servido por duas grandes linhas ferroviárias novas, sem impacto particular no tráfego de mercadorias, sobretudo as dirigidas ao Centro da Península e à Europa além-Pirinéus. Uma dessas linhas, será o corredor de Alta Velocidade Norte-Sul, que, sendo exclusivo ao tráfego de passageiros, colocará o Porto a 1h15mn de Lisboa, e também contribuirá, por arrasto, para acelerar relações “rebatidas” sobre o novo eixo, designadamente Guarda-Coimbra-Lisboa, e Régua-Porto-Lisboa, sobretudo se – à semelhança da prática de Espanha – se fizer apelo à instalação de aparelhos de mudança de bitola sem paragem, em pontos estratégicos de contacto entre a rede AV (1435mm de bitola) e a convencional (em bitola Ibérica de 1668mm). Além da nova linha Porto-Lisboa, o Porto contará em 2015, com a primeira fase do novo itinerário “Eixo Atlântico”, de “velocidade elevada”, apto a tráfego misto e bitola Ibérica, unindo Porto a Vigo em cerca de 1 hora. Este novo itinerário compreenderá uma secção nova de Nine a Valença e a quadruplicação de Contumil a Ermesinde.

Como se poderá facilmente inferir, 2015 será um ano em que o Grande Porto terá um enquadramento bastante mais favorável que o actual, em termos de inscrição e articulação funcional na mobilidade de pessoas ao longo do sistema urbano Atlântico, de Setúbal à Corunha. Porém, as acessibilidades ferroviárias do Grande Porto à restante Península Ibérica continuarão a padecer de uma valência logística coxa, senão mesmo medíocre. A nova acessibilidade à Galiza não é compaginável com um acesso rápido a Madrid e ao País Basco/França, enquanto que a Linha da Beira Alta implica um trajecto do Porto de 105 Km para Sul até quase Coimbra (Pampilhosa), antes de se tomar a direcção do Leste. Vilar Formoso não é ponto fronteiriço orientado para o Norte de Portugal. É antes uma passagem tradicional das rotas de mercadorias oriundas do Centro de Portugal e da Grande Lisboa, e se observarmos claramente o tráfego rodoviário do Porto para Espanha, o itinerário de Vilar Formoso apenas adquire uma importância conjuntural, pelo facto de ainda não se ter dado por completada a auto-estrada A 4.

Partamos do princípio defendido pela Associação Comercial do Porto: o Grande Porto (e o Norte), necessitam, para a sua logística, de uma nova linha ferroviária para tráfego misto e “velocidade elevada” (velocidades máximas até 250 Km/h), ligando Aveiro a Viseu e Salamanca, através de um novo atravessamento fronteiriço, a estabelecer na zona de Almeida. A ACP refere com insistência, que este novo corredor ferroviário foi devidamente acordado com a vizinha Espanha, na Cimeira Ibérica da Figueira da Foz, em Novembro de 2003. Mas – dizemos nós – entre o que foi acordado na dita Cimeira e aquilo que será realmente construído em tempo útil vai uma grande diferença.

Para se compreender o porquê do facto de a nova linha Aveiro-Salamanca não passar de uma miragem, é bom atender a todo um conjunto de condicionantes institucionais e endógenas do próprio projecto. As projecções de tráfego realizadas por A.T.Kearney, sob os auspícios da RAVE para a nova linha Aveiro-Salamanca, apontam para um nível modesto de 1,8 Milhões de passageiros por ano, para um itinerário que, mercê de atravessar uma região de orografia particularmente complexa, não custaria menos de 2500 Milhões de Euros, a preços actuais. Mas, mais complicado numa perspectiva institucional, afigura-se o facto do corredor Aveiro-Salamanca não constar do relatório Van Miert de 2003, contemplando os projectos das RTE considerados prioritários. No Relatório Van Miert vêm, de facto, referidas as novas linhas de Alta Velocidade Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid, às quais se junta o corredor de velocidade elevada Porto-Vigo (todos para o horizonte temporal de 2013-2015); mas não há qualquer menção a projectos como Aveiro-Salamanca ou Évora-Faro-Huelva.

O Quarto Quadro Comunitário de Apoio, também conhecido oficialmente como QREN – Quadro de Referência Estratégica Nacional – não contempla quaisquer verbas para o projecto Aveiro-Salamanca no seu período de vigência (2007-2013), e é assumido publicamente pelo Governo que corredores ferroviários propostos como Aveiro-Salamanca e Évora-Faro-Huelva não terão qualquer tipo de desenvolvimento até ao ano de 2017. Ora, 2017 será um ano a meio do Quinto Quadro Comunitário de Apoio – isto se porventura ele existir (!) E existindo, resta saber a que Fundos Estruturais Portugal terá direito a aceder nessa altura. Certos estamos que continuarão a existir regiões de Objectivo I, mas é duvidoso assumir-se que um hipotético Quinto Quadro Comunitário de Apoio, para os anos de 2014 a 2020, venha a ser tão generoso em financiamento como todos aqueles dos quais Portugal, Estado-Membro da União Europeia, desfrutou até agora. E, em conclusão, pode dizer-se, com toda a segurança, que, depois de realizadas as linhas de “alta velocidade” Lisboa-Porto, Lisboa-Madrid e de “velocidade elevada” Porto-Vigo, haverá no pós-2015, muito pouco espaço de manobra política (e financeira), para dar luz verde a novos projectos de grande dimensão, comparticipados por Bruxelas.

Numa perspectiva extremamente optimista talvez se possa afirmar que Aveiro-Viseu-Salamanca tenha uma probabilidade remota de vir a ser algo de real, algures para o ano de 2025. Ou seja, daqui a quase duas décadas. Assim sendo, será possível que o Grande Porto e o Norte fiquem passivamente à espera de uma “solução ideal”? A conjuntura dos próximos anos não permite que assim seja, sob pena de uma perda de competitividade económica de toda uma região tradicionalmente exportadora.

Já a partir de 2010, vão aparecer as “Europortagens” ou “Eurovinhetas”, as quais pressupõem um agravamento substancial das portagens a cobrar aos camiões atravessando países como Espanha e França (na Alemanha já existe a chamada “MAUT” nas auto-estradas e vai ser alargada às estradas nacionais). Toda a região exportadora com acessos ferroviários deficientes em logística no contexto do espaço geo-económico Europeu, é logo à partida, um território carente de competitividade. O Grande Porto e o Norte de Portugal correm esse risco. Mas há outros factores que ainda tornam o problema mais complexo. Um deles é, sem dúvida, a abertura do sector ferroviário de mercadorias à iniciativa privada. Os operadores ferroviários privados de mercadorias vão ser entidades ávidas de “canal-horário” para que os seus comboios de carga circulem. Como é possível, no contexto da rede ferroviária Portuguesa, cheia de vias únicas, cuja capacidade é parcialmente dominada por serviços de passageiros, dar capacidade aos operadores da iniciativa privada? É que, ao longo de décadas, o operador de carga único que vem existindo (a CP), teve sempre uma orientação “concentracionista”, de polarizar o máximo de tráfego no menor número de quilómetros de linha, desprezando sucessivamente o potencial oferecido pelos chamados “itinerários alternativos” (linhas como o Oeste e a Beira Baixa são exemplos flagrantes do desinteresse em aproveitar o “canal-horário” existente); assim se explica também como se deixou descapitalizar até à extinção, uma linha directa do Porto para Madrid e Europa além~Pirinéus, como o é, na realidade, a Linha do Douro. A continuação desta prática não mais é sustentável, num contexto da nova realidade emergente de operadores privados, para os quais a capacidade das linhas (ou “canal-horário”) é algo de escasso e precioso, e que SE TEM DE PAGAR numa base competitiva e de mercado.

O “marketing” e o “pricing” da capacidade da rede ferroviária nunca foi verdadeiramente posto em prática pela REFER, porque até hoje a autoridade detentora da infra-estrutura ferroviária só teve um cliente. Ora isto é uma situação longe de um mercado que alguns dizem querer que seja “contestável” (!). A partir do momento em que existam restrições ao tráfego de camiões, através de uma internalização de custos externos (fazendo-se uso de instrumentos institucionais compulsivos como a “Eurovinheta”), e ao mesmo tempo se proceda ao “marketing” da capacidade da rede ferroviária – sobretudo para os movimentos logísticos – existirão, decerto, novas perspectivas para muitas linhas férreas “dormentes”, consideradas absurdamente “de menor importância”. É aqui que se jogará seguramente, o novo papel da saída ferroviária do Douro Internacional, e da grande oportunidade que a sua recuperação para o tráfego de mercadorias representa para o Grande Porto e todo o Norte de Portugal.

MMT

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