20090905

Reabrir ao Tráfego Ferroviário o Douro Internacional (II)

(Nota de José Silva: Republicação de artigo originalmente publicado pelo Prof Manuel Tão em Junho de 2007)

A saída minimalista de reabertura da ligação ferroviária do Douro Internacional consistiria de um cenário-base, em que, à reabilitação através de “reaplicação de materiais” dos 78 Km de linha entre Boadilla-Fuente de San Esteban e Barca de Alva (já com orçamento de 25 M € aprovado pelo Governo de Madrid), juntar-se-ia, em moldes idênticos, a contrapartida Portuguesa, com uma reactivação dos 28 Km de Pocinho a Barca de Alva, estimada pela REFER nuns meros 11 a 15 Milhões de Euros.

Mesmo sem atender à componente logística, a qual implicando o reforço das obras de arte metálicas, poderia ter lugar posteriormente, esta intervenção básica, sem qualquer tipo de impacto orçamental significativo, já traria grandes benefícios. Vejamos porquê.

A Agência Portuguesa de Investimento (API) elegeu o Vale do Douro como região de desenvolvimento turístico prioritário. E o actual Governo manteve – aparentemente – a mesma linha de acção. Paradoxalmente, o Vale do Douro nem sequer aparece com qualquer tipo de destaque nos corredores de desenvolvimento do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN). Então que tipo de turismo e investimentos no sector é que se pretendem captar? Dos visitantes estrangeiros que se dirigem ao Douro (muitas vezes pela via fluvial, e sem deixar qualquer tipo de receita na região) apenas 3% são Espanhóis. Então para o Governo, o mercado potencial de clientes para a Região do Douro que são as aglomerações de Salamanca, Valladolid e mesmo Madrid, não existe? Que credibilidade se pode assim conferir aos projectos turísticos PIIP “previstos” para a região, quando não se deixa que os serviços ferroviários de passageiros avancem além do Pocinho?

Mesmo sendo algo de minimalista, mantendo-se sem resolução problemas técnicos como a ausência de reforço das obras de arte metálicas do Pocinho a Boadilla, impedindo o aproveitamento imediato do potencial logístico de um itinerário ferroviário internacional, a reabertura na vertente passageiros seria já algo de extrema importância, no sentido de desencravar conjuntamente o Vale do Douro e o Abadengo. Tratam-se de regiões com potencial turístico considerável (gravuras do Côa, cidade romana de Castelo Melhor, las Merchanas, Sobradillo, etc.), mas completamente arredadas de itinerários enquadrados entre pólos geradores de tráfego fortes (Porto vis-a-vis Centro da Península), e tudo devido à inércia e à estupidez de se manter dormente uma “missing link” estratégica de 28 Km, discorrendo inteiramente no território de Portugal.

A não-internacionalização da Linha do Douro, que vai permanecendo como coto atrofiado terminando no Pocinho, (a julgar pelas linhas-mestras do PNPOT), é o corolário de manter toda uma região e um sistema urbano estruturado ao longo do rio, completamente apartados de qualquer ciclo de Investimento Directo Estrangeiro. Isto, quando na verdade, o que deveria estar a acontecer era a integração das regiões do Alto Douro Vinhateiro e do Abadengo (Lumbrales, Vitigudino, Villavieja de Yeltes) numa única região de turismo, porque os problemas de um e do outro lado da fronteira são rigorosamente idênticos.

Vejamos agora que tipos de serviços poderiam ter lugar, num cenário de recuperação do Douro internacional apenas a passageiros. Sem qualquer problema de “canal-horário” poderiam existir duas circulações diurnas para cada sentido Porto-Régua-Barca de Alva-Salamanca-Madrid(via Peñaranda-Ávila)/Valladolid(via Medina), operadas com recurso a automotoras Diesel ligeiras, tipo 596, empregues de forma rotineira pela RENFE. Trata-se de um veículo automotor com ar condicionado de uma só caixa, mas que pode funcionar acoplado em unidade múltipla até 6 unidades, o que faz dele um material muito adequado para um trajecto comportando várias secções com procuras muito diferentes, com unidades a poderem ser acopladas ou desacopladas pelo caminho, sem recurso a pessoal (a atrelagem é automática).

Assim, com um comboio de três unidades 596 de Madrid a Salamanca, é perfeitamente possível que duas delas fiquem em Salamanca, enquanto que outra proveniente de Valladolid e Medina del Campo seja acoplada ao veículo destinado ao Porto. Seguindo duas destas unidades para o Porto, poderiam depois na Régua ver-se reforçadas com outras duas, formando uma composição de quatro veículos de tipo 596. No sentido contrário Porto-Salamanca-Madrid/Valladolid, processar-se-ia um conjunto de operações inversas.

Em suma, um material como as unidades 596, com uma carga por eixo da ordem das 10 toneladas (bem abaixo do limite de 16 toneladas/eixo das pontes sem reforçar), permitindo uma exploração extremamente flexível e de baixo custo, estando perfeitamente adequado para assegurar um serviço regular permitindo um tempo de viagem Porto-Salamanca em cerca de 5h15mn (3h45mn Porto-Barca de Alva, para 200 Km; 1h30mn para os 136 Km restantes, correspondendo a uma média comercial de 64 Km/h, comum para uma tipologia de serviço regional). A estes tempos de trajecto, juntar-se-ia mais 1h30mn na direcção Valladolid, e 2h30mn na direcção Madrid (via Peñaranda de Bracamonte e Ávila). À oferta regular poderia juntar-se uma valência turística Régua-Salamanca, variável em quantidade de circulações, mas articulada com a navegação fluvial e circuitos turísticos integrados, recorrendo-se ao emprego de autocarros médios, operados a partir de estações de interface seleccionadas (Pinhão, Pocinho, Barca de Alva, Fregeneda ou Lumbrales), permitindo acesso a todo um conjunto de património de inegável interesse histórico-paisagístico, pontos de animação cultural e infra-estruturas hoteleiras.

Sem comentários:

Leituras recomendadas