Hoje de manhã, um interessante resumo dos acontecimentos, aqui:
Subitamente, as classes médias de todo o mundo - mas, sobretudo, da América e da Europa - perceberam que não é apenas o Estado que as ameaça com os impostos usurários e a corrupção e incompetência generalizada. Não. Aperceberam-se, também, que as suas poupanças estão ameaçadas nos bancos - ainda por cima geridos por políticos próximos dos governos - e que as suas pensões podem estar ameaçadas nas seguradoras.
Como há quase cem anos não se via, vacas sagradas do sistema financeiro, arrogantes e implacáveis vão à falência e os seus administradores são despedidos como ladrões e incompetentes. A maior seguradora da América (AIG) entra em colapso, pondo em causa os fundos de pensões, só se safando com a nacionalização.
Mas, o que é isto? - "Roubam-nos" com os impostos, agora "roubam-nos" as poupanças, "ameaçam" as pensões e ainda por cima as nossas aplicações no mercado de capitais "desaparecem"? - O dinheiro está a desaparecer?
O planeta está a acordar para a realidade do próprio capitalismo. As tais realidades que ensinamos em Economia Política e que infelizmente pouca gente escuta. Os governos não decidem de acordo com o interesse comum, mas no sentido dos interesses do grupo que domina o Estado (Comentário: Onde é que eu já escrevi isto a propósito dos BSNT e de Lisboa ?) e, por isso, temos que criar leis, até constitucionais, para limitar o poder dos políticos - nos quais se incluem os juízes - e da Administração Pública -, na qual se incluem os magistrados do Ministério Público, os polícias e os militares.
Mas, o que agora os cidadãos descobrem, da pior maneira, é que tudo se resume a uma questão de fé. O dinheiro só existe se acreditarmos nele. Só tem valor se lhe dermos valor. Se somos descrentes, é como com Deus, não nos salvamos.
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Tudo o que é grande não tem viabilidade nos próximos tempos. Não vai haver dinheiro para fazer a terceira ponte sobre o Tejo, a Galp não vai ter os biliões necessários para financiar a exploração de novas reservas no Tupi, o TGV vai ficar à espera de melhores dias, o Orçamento do Estado vai entrar em colapso, o desemprego vai aumentar e os nossos bancos só sobrevivem porque o Banco de Portugal não aplica as regras que o BCE diz que vai aplicar a todos. No que é que somos diferentes? Apenas na opacidade dos procedimentos, na censura das notícias na falta de transparência nas administrações.
É tudo o que não acontece nos Estados Unidos ou no Reino Unido. Lá está tudo online. No momento em que o Tesouro dá uma instrução à Reserva Federal, eu também sei. O e-mail que vai para Ben Bernenke cai também na minha caixa do correio.
E, a primeira conclusão a tirar é que tudo o que é grande não tem pernas para andar. É o regresso da beleza do pequeno, apenas pragmatismo - por realismo, para manter as coisas a andar...
Esta é a primeira grande crise global com a internet. Subitamente, a catástrofe ganha contornos que há cem anos ninguém aguentaria. O nosso risco é total. A nossa capacidade de sofrimento não tem limites.
No mercado de capitais sabemos sempre que a prazo tudo sobe. Excepto de cem em cem anos. E agora cá está a crise centenária do capitalismo, uma das tais que não tem solução. (Comentário: A prazo o mercado de capitais sobre caso se exclua do índice as empresas que faliram...)
A maior descoberta para o comum dos leitores é que ninguém sabe nada de nada. (Comentário: Presunção típica de Jornalista; Não faltam bloggers para mentes inqeuietas que adivinharam e continuam a adivinhar o futuro; Obviamente que não os divulgo...) Ninguém sabe como se sai daqui. O mundo financeiro está a ser gerido à vista. Com vales de caixa, como diários balões de liquidez.
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Desde terça-feira, a moeda que desapareceu está a ser reinventada pelos bancos centrais. E, obviamente, é preciso capital, porque os bancos centrais não são propriamente apenas máquinas de impressão de notas ou emissão de moeda escritural. E, esta semana, o Tesouro americano teve que injectar quase um trilião de dólares na Federal Reserve.
E, onde foi buscar esse dinheiro? Ainda não foi aos impostos. Emitiu dívida pública. Os tais "bonds" do tesouro.
E, quem os comprou? Naturalmente, que tem algum excedente, os que poupam no planeta: os alemães, os chineses e os noruegueses, entre outros produtores de petróleo.
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A opacidade europeia tem esta vantagem de tudo parecer que nos passa ao lado. Nisso, em Portugal, Vítor Constâncio - seguramente o português mais bem preparado para perceber as águas em que navegamos, embora, depois, não tenha a intuição para saber o que fazer - deve estar a fazer o papel correcto de mandar estarem todos calados.
E a classe política também devia ter o sentido do ridículo, a começar pelas mais altas figuras do Estado. O credit crunch (imobiliário ou outro), os derivados, e tanto mais também chegaram cá exactamente como chegaram aos outros países. Não somos nenhum paraíso. Bem pelo contrário. Quando os outros sofrem, Portugal sofre mais, pois as nossas empresas são mais frágeis e os nossos gestores bancários muito mais incompetentes - alguns mesmo coitados eram mesmo políticos e nem têm culpa de estarem onde estão!
Todos estão mal e Portugal também. E com a falta de informação em Portugal e sobretudo com a manipulação da propaganda governamental, as pessoas acabam por não ser sistémicas e vêem apenas o seu caso, de per se. (Comentário: Não é apenas a alienação desportiva que não norteia !) O seu caso, ampliando substancialmente o seu sofrimento individual, levando à autoculpabilização, ao desespero e sobretudo à desistência. É por isso que não vemos reacção em Portugal. Exactamente porque a incompetência da elite se traduz depois em paternalismo, em caciquismo, em sistema mafioso, próprio das periferias, das regiões pobres e incultas (Comentário: Mais uma razão para voltar a lêr e escrever no Norteamos);
Para já, ontem o mundo suspirou de alívio. Os bancos centrais proibiram o cross selling e o mercado reagiu sistemicamente - a prazo tudo sobe. (Comentário: 2 disparates numa frase: «short selling»; a prazo sobe tudo se excluirmos as empresas falidas). E as bolsas subiram e os governos fizeram um pouco mais de propaganda.
Até à próxima vaga...
12 comentários:
Caros, vocês que por aqui escrevem e são especializados nestes assuntos, passem pf. por aqui e digam-me se eu, que sou um amador, tenho ou não razão nos comentários que fiz ao post:
http://oinsurgente.org/2008/09/18/quando-a-economia-vira-uma-ciencia-do-oculto/
Abraço!
Caro TAF,
Efectivamente não se pode confundir massa monetária com perdas realizadas ou não com investimentos em bolsa.
A massa monetária em circulação não é alterada com as evoluções da bolsa. É apenas alterada com a emissão de moeda pelo BCentral ou criação de crédito pelos bancos comerciais ou ainda pela actual deflacção na destreuição de crédito usado na alavancagem de investimentos em bolsa. Aliás, consta-se que a subida do USD nas últimas semanas se deveu à redução da massa monetária dos EUA devido à contração do crédito.
Penso que o problema entre TAF e RAF tem a ver com as diferentes perspectivas que ambos assumem: RAF explica tecnicamente. TAF interpreta os ganhos/perdas do investidor individual como moeda/cash que desaparece. Efectivamente a moeda/cash do investidor individual não corresponde ao conceito de moeda/massa monetária em circulação numa economia.
Tiago, apesar de tudo a Economia tem tanta tecnicidade como redes de IPs, embora os engenheiros não gostem de o admitir ;)
Caro José Silva, não é esse o ponto. Eu não me refiro a ganhos e perdas em bolsa, do ponto de vista de um indivíduo. Isso de facto é apenas dinheiro a passar de uns para os outros. Mas se calhar isso vê-se melhor no caso de um PDM: quando eu atribuo capacidade de construção a um terreno que não era até então urbanizável, estou ou não a emitir moeda?
Outro exemplo. Eu tenho uma acção que vale 1 euro e você outra que vale o mesmo. Se eu ou você formos ao banco, o banco aceita emprestar-nos 1 euro contra a garantia dessa acção. Devido a transacções em "circuito fechado" entre nós 2, a cotação sobe para 4 euros. Se agora formos ao banco, o banco já aceita emprestar-nos 4 euros. Criámos ou não moeda? É que a cotação subiu sem qualquer aumento de valor do bem em causa, nem qualquer contrapartida monetária.
Uma coisa é a cotação em bolsa marked to market, outra coisa é a cotação fora de bolsa ou bolsa informal, marked to model. Um banco emprestar baseado nisto é muito arriscado. Curiosamente foi o que se passou nos EUA. Anyway, há sempre haircuts, isto é, o banco empresta 90% da garantia. Curiosamente houve nos EUA empresátimos a 100 %.
As transacções a que eu me refiro podem perfeitamente ser em bolsa. Dei o exemplo só com duas pessoas, mas o que na prática se passa é equivalente, só que com mais gente. O meu ponto é que se andam os valores a circular em circuito fechado, sem entradas novas de dinheiro, em que a cotação sobe "por geração espontânea", isso é efectivamente geração de moeda. Os detentores desses valores passam a ganhar a capacidade de os transformar em liquidez, porque o mercado aceita as cotações, de obter empréstimos com base nisso, etc. Ganham efectivamente a capacidade de gastar. Tal e qual como se imprimissem notas.
Repare-se que enquanto não houver um crash, esse novo poder económico obtido pelos detentores desses valores nascidos por geração espontânea não o obtiverem porque alguém em particular resolveu transferir para eles essa capacidade (ao contrário do que acontece se algum maluco compra uma acção pelo dobro do que ela vale, ou similar). Ou seja, ninguém em particular perdeu nada para que outros ganhassem. O mercado como um todo é que perdeu, tal como quando a emissão de dinheiro pelo banco central provoca inflação.
Tiago,
Está a ver a economia pelo prisma do investidor individual. Teria que de facto lêr a teoria da criação de moeda. Mas desaconselho. Não serve para nada.
Caro TAF,
Tecnicamente, apenas se considera moeda em sentido lato a moeda em sentido restrito ("dinheiro vivo") e a "quase moeda" (os activos financeiros que podem ser rapidamente convertidos em dinheiro e que têm risco de desvalorização muito reduzido).
É que as acções representam activos subjacentes (os activos de uma empresa), e nesse sentido, são tão moeda como uma casa, com a diferença de que um tem mais liquidez que outro (e tendo em comum que o seu valor é inconstante).
Em todo o caso, ao aumentares o preço de uma acção, não estás a aumentar a moeda, mas o valor. Se o fazes artificialmente, então mais cedo ou mais tarde o valor "criado" será destruido. Mas não há aqui criação de moeda ou destruição. O banco que te empresta dinheiro não emite moeda. Pede emprestado a alguém. É um facto que há lugar a multiplicação de moeda, mas esta está limitada pelo facto dos bancos serem obrigados a fazer reservas de parte do dinheiro. Assim, se o banco não te empretasse o dinheiro para comprar acções emprestaria a outrém para comprar um automóvel...
Em todo o caso, há um factor que penso que tem escapado: os bancos podem utilizar acções, de forma parcial, como componente dos rácios de capital que têm que manter (e que são uma componente relevante na capacidade multiplicadora de dinheiro dos bancos). Pelo que, se as acções sobem, os bancos conseguem multiplicar mais o dinheiro. E quando descem reduz-se a sua capacidade de multiplicação do dinheiro (ups, é preciso fazer aumentos de capital, i.e., ir buscar dinheiro "vivo")
Caro Pedro, isso vai em linha com os comentários 47 e seguintes aqui. E o ponto é mesmo esse: o sistema não exige que haja "dinheiro real" (passe a expressão) que cubra a totalidade do crédito.
Caro José Silva,
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Escreva mais vezes, gostei do postal.
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Já à meses que ando a meditar no valor das poupanças... quando Pedro Arroja postou sobre os alemães não quererem notas de euro dos PIGS, comecei a remoer sobre o futuro das poupanças.
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Quanto ao futuro das pensões de reforma, se eu ao chegar à idade (75 anos?) tiver dinheiro a receber, confesso que vou ficar surpreendido, desde 1986, ano em que comecei a fazer descontos, que não acredito nesse milagre.
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