Megaprojectos: grito de alerta
1. Portugal defronta uma crise económica com duas componentes: a estrutural e a conjuntural. A componente estrutural é evidenciada pela “década perdida” em matéria de convergência real (a pior desde a década de1920, em termos relativos), pelo crescimento do endividamento externo (10% do PIB, em 1995; 60% em 2004 e 100% em 2008), pela estagnação do Rendimento Nacional nos últimos anos (onde têm peso crescente os juros pagos aos credores externos) e pela evolução da taxa potencial de crescimento da economia (em declínio acentuado, sendo hoje apenas da ordem de 1%).
A componente conjuntural da crise é fruto da situação económica e financeira internacional e será ultrapassada quando a economia americana e europeia recuperarem. As políticas nacionais anti-cíclicas estão condicionadas pela deficiente consolidação orçamental realizada na última década, e devem minorar os efeitos da crise no campo social, reforçar os apoios às empresas, e acelerar investimentos públicos inquestionáveis com efeitos a curto prazo.
Mas a componente estrutural não se compadece com erros estratégicos nas respostas de curto prazo. Do contrário, sairemos da crise conjuntural com os problemas estruturais agravados. A sua solução exige um processo sustentado de actuação coerente sobre todos os factores críticos que afectam a competitividade da nossa economia. Entre eles na qualidade do investimento, que é urgente melhorar, pois os indicadores mostram que investimos mal na última década.
2. As transformações estruturais em curso na envolvente económica e financeira internacional representam o fim da era do endividamento fácil. Dependendo o financiamento da nossa economia da poupança externa (a interna é apenas de cerca de 50% da taxa de investimento), Portugal tem de saber aplicar bem os recursos financeiros provenientes da sua limitada capacidade adicional de endividamento externo.
A começar pelos megaprojectos no sector dos transportes.
São investimentos que representam um largo quinhão da riqueza nacional e que, através da filosofia das parcerias público-privadas (PPP), hipotecam o futuro com encargos vultuosos para os contribuintes. São projectos de alto risco para todos os que pagam impostos e taxas. Têm também elevados custos de oportunidade quando comparados com outras alternativas no ataque às nossas verdadeiras vulnerabilidades estruturais.
3. A política das parcerias público-privadas (PPP) precisa de ser repensada. Considerando os dados constantes do relatório do OE/2009, o valor actual (taxa de desconto 5%) dos encargos já assumidos, ou projectados, pelo Estado (directa ou indirectamente) para os próximos anos (sobretudo a partir de 2013) representa cerca de 12% do PIB de 2008 (ou seja, cerca de 20.000 milhões de euros, ou 4.000 milhões de contos na moeda antiga).
É um montante enorme, com tendência para crescer e pecando, só, por defeito, que põe em causa a sustentabilidade das frágeis finanças públicas, o financiamento futuro das despesas sociais com o envelhecimento da população (saúde e pensões), a competitividade fiscal, a justiça inter-geracional.
Acresce ainda que, na prática, a garantia de rentabilidade dada pelo Estado (directa ou indirectamente) a tais projectos de investimento em PPP tem externalidades negativas importantes que afectam a qualidade da alocação de recursos na economia, num contexto de crédito limitado: (i) leva os bancos (nacionais e estrangeiros) a preferirem tais projectos sem risco (ou quase), em vez de projectos empresariais com os naturais riscos de mercado, mas incomparavelmente mais importantes para a competitividade da economia; (ii) incentiva o sector empresarial privado a investir em sectores abrigados de concorrência internacional, quando a nossa competitividade externa se joga basicamente nos sectores dos bens e serviços transaccionáveis; (iii) tem um impacto potencial negativo no “rating” futuro da República e, logo, nas taxas de juro.
4. O plano rodoviário não pode ser cego e precisa de ser adaptado às novas realidades. Já possuímos uma rede viária eficiente, e não reside aí uma das nossas fragilidades estruturais.
Somos campeões de auto-estradas, na Europa e entre os países da OCDE, mas na última década Portugal viu o seu posicionamento regredir nos “rankings” de competitividade a nível internacional…
Nas novas concessões rodoviárias a empresa pública Estradas de Portugal está a assumir com as PPP encargos enormes para o futuro, a adicionar aos já existentes. A empresa não pode raciocinar apenas a trinta ou setenta anos: “a longo prazo estaremos todos mortos”. Qual será a sua situação financeira nos próximos dez anos? Qual será, por exemplo, o “custo de oportunidade”, para a economia portuguesa, de se utilizarem os proveitos da prorrogação de concessões rodoviárias antigas no financiamento de novas auto-estradas de pouco movimento, em vez de outros tipos de aplicações, como, por exemplo, redução do imposto sobre os produtos petrolíferos?
5. Estima-se que os projectos da rede de alta velocidade (TGV) atingirão um investimento total da ordem dos 5% da riqueza nacional, ou seja, mais de 7.500 milhões de euros. Os estudos parcelares disponibilizados sobre a sua rentabilidade económica e social (mesmo se baseados em pressupostos optimistas) mostram que a sua contribuição previsível para a eficiência económica do país é muito diminuta, e pode até ser amplamente negativa em termos de Rendimento Nacional. Para além dos apoios estimados da U.E. (cerca de 20% do total, a fundo perdido), os restantes 80% (ou seja 4% do PIB) serão financiados por dívida externa (directa ou indirectamente).
Por outro lado, uma análise rápida, projecto a projecto, levanta questões ainda não esclarecidas. Entre elas: (i) o projecto Porto-Vigo é mesmo prioritário, tendo presentes as necessidades estratégicas da região Norte?
(ii) o projecto Lisboa-Porto pressupõe o encerramento do serviço público normal de passageiros e do Alfa-Pendular? Como se vai dividir a clientela futura, a rentabilidade, entre as duas linhas a operarem em paralelo? Não é verdade que o TGV, para ser eficiente, exige uma distância mínima de 400 Km? (iii) o projecto Lisboa-Madrid vai representar seguramente, durante muitos anos, um “buraco financeiro”: serão os contribuintes a subsidiar este modo de transporte de “luxo”? (iv) se existe mercado que justifique algum troço (ou todos), então porque não se adopta uma metodologia de execução (tipo construção/exploração, com os apoios a fundo perdido pré-definidos) em que o risco comercial do projecto e os riscos dos desvios de custo das obras fiquem do lado das entidades concessionárias, e não, essencialmente, do dos contribuintes? (v) se é estratégico para a União Europeia que Portugal execute, a curto prazo, todos os projectos de TGV, então porque não se negoceia uma duplicação, pelo menos, dos apoios a fundo perdido?
Não vale, por si só, o argumento de que outros países também investem no TGV. Esses países são da nossa dimensão geográfica, têm o nosso PIB per capita e o nosso nível de divida externa? E têm as nossas prioridades estratégicas? De salientar que a Espanha, além da maior escala geográfica, indutora de menor prejuízo financeiro, tem uma questão política que a levou (e leva) a investir no TGV: um problema de coesão política territorial face ao seu grave problema político regional.
6. Mas, para além da análise projecto a projecto, entendo que o programa de investimentos públicos deve ser avaliado globalmente, atendendo ao elevado montante e à sua elevada concentração temporal: numa década crítica para a economia portuguesa. Pode até justificar-se um ou outro projecto por razões estratégicas, mas o impacto consolidado (que não está medido), macroeconómico e empresarial, de todos os projectos de transportes (mais o “lastro” já acumulado nas empresas públicas do sector) e de outras parcerias púbico-privadas, em curso ou projectadas, torna o modelo económico-financeiro global consolidado inviável e/ou de alto risco para os contribuintes. Pelo que se impõe uma redefinição de prioridades, e de calendários, depois de uma cuidadosa hierarquização.
Apresentam uma dívida financeira (na realidade dívida pública) já da ordem dos 10% do PIB e um défice de financiamento (exploração e investimento) anual avultado. A situação financeira do sector constitui uma verdadeira “bomba financeira” ao retardador sobre as contas públicas, com tendência para o agravamento. Qual será a dívida financeira da CP, da REFER, da RAVE, da Estradas de Portugal, do Metro de Lisboa e do Porto, etc., a 10 anos? Corremos o sério risco de transformar a “bomba” num “vulcão” enorme.
7. Por fim, as opções no sector dos transportes não podem ignorar as prioridades estratégicas globais da economia. Uma questão chave: onde investir, prioritariamente, para solucionar os verdadeiros estrangulamentos estruturais da economia portuguesa e assim aumentar a taxa potencial de crescimento, hoje apenas de 1%? Com este crescimento potencial, em queda na última década de 3% para 1%, como melhorar, sustentadamente, o bem estar económico e social e financiar no futuro o modelo social?
A capacidade de endividamento externo não é ilimitada, e exige escolhas.
Não podemos vir a ter outra “década perdida”...
Daí o grito de alerta de um economista e cidadão contribuinte preocupado com o futuro das filhas e dos netos...
Economista, ex-ministro das Finanças
2 comentários:
BARRAGEM DO TUA
o documento do EIA está disponível a partir de:
http://www.apambiente.pt/Destaques/Paginas/DIA-ProjectodeAproveitamentoHidroel%C3%A9ctricodeFozTua.aspx
pagina 18 do anexo
Posição das Camaras Municipais
A Câmara Municipal de Mirandela defende a emissão de parecer negativo a este empreendimento e ao respectivo EIA, na medida em que os seus efeitos negativos são de longe superiores ao único interesse positivo para o país que é o aproveitamento hidroeléctrico.
A Câmara Municipal de Murça refere que o NPA à cota 170 é o menos nocivo para a estrutura social, ambiental e económica do município, salientando que existem fortes impactes negativos que requerem uma análise aprofundada e detalhada, tendo em conta o estabelecimento de contrapartidas e medidas compensatórias, quer para as instituições afectadas, quer para os particulares.
A Câmara Municipal de Alijó defende a cota máxima, ou seja, o NPA à cota 195, desde que seja alterado o nome para Barragem no Vale do Tua e que se fomentem as condições para promover o desenvolvimento do município, nomeadamente a actividade económica e o turismo.
A Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães refere que o apoio à construção da barragem é condicionado, pela opção de uma cota de NPA superior a 170, e pelo financiamento dum Programa de Desenvolvimento do Vale do Tua, que promova desenvolvimento socioeconómico, designadamente pelo aproveitamento das suas enormes potencialidades turísticas. Rejeita a solução apresenta pela EDP do modo rodoviário, e propõe que a “mobilidade de pessoas e bens, de Foz do Tua Mirandela, seja feita pela via ferroviária e fluvial ou outras”, devendo desde já ser definido o modelo de gestão e imputação dos custos de gestão de exploração e manutenção”
A Câmara Municipal de Vila Flor manifesta uma posição frontalmente contrária à construção da barragem para o NPA à cota 170. Refere que a concordância à construção da barragem fica condicionada ao facto de ser construída a uma das cotas superiores a 170m.
Refere que deve ficar previsto para a região do vale do Tua e respectiva bacia hidrográfica a realização de um projecto piloto de florestação de espécies autóctones, que abranja no mínimo uma área equivalente à ocupada pela albufeira e que envolva a Direcção Geral de Florestas.
Propõe a criação de uma Agência de Desenvolvimento Regional, que terá como objectivo principal promover o desenvolvimento socioeconómico, a preservação ambiental e paisagística do vale do Tua.
Sugere, ainda, que o “montante do diferencial que a concessionária vai ter de liquidar ao Estado para obter autorização de construção da barragem para a cota que venha a ser definida, superior à cota 160, seja canalizada para um fundo, com a finalidade de financiar os projectos que esta empresa venha a propor e que sejam aprovados pelo Ministério do Ambiente.”
Esta Câmara refere, ainda, que devem ser previstos por parte da concessionária umnúmero de ancoradouros que garanta a mobilidade das populações e dos utilizadores dos meios de transporte que venham a ser implementados
e em conclusão:
Face ao exposto, concluiu-se que o projecto “Aproveitamento Hidroeléctrico de Foz Tua” poderá ser aprovado, desde que concretizado à cota NPA 170, bem como cumpridas todas as condições constantes da presente DIA.
Salienta-se, finalmente, que a presente DIA preconiza o acompanhamento ambiental da fase de obra por uma comissão constituída pelos organismos com competência nas matérias relevantes, sendo que a actividade desta comissão deverá manter-se para além do termo da fase de construção, designadamente no âmbito do acompanhamento da implementação e avaliação da eficácia das medidas de minimização e de compensação preconizadas.
Vale a pena comentarem?
cumprimentos
mario
Conclusão: TODAS AS CAMARAS SÃO CONTRA A BARRAGEM À COTA 170 À EXCEPÇÃO DA DE MURÇA
QUE ATITUDES VÃO TOMAR ESTAS CAMARAS'''??????
Em
http://www.acdporto.org/2009/05/15/carta-aberta-a-associacao-de-cidadaos-do-porto-braga-e-aveiro-tua-e-artificialidades/
Carta aberta à Associação de Cidadãos do Porto, Braga e Aveiro - Tua e artificialidades
Posted by Miguel Barbot
“Caras Associações
Eu vou ser muito sincero e directo.
Estou-me a lembrar da equipa que resolveu avançar com o projecto das indústrias criativas em Serralves.
Acabou a liderar a Agência de Criatividade. Já têm uma função e uma remuneração. E podem crer que aquilo vai dar em muito pouco. Mas juntou todos os notáveis da cidade e arredores.
Por sua vez, o Presidente da Junta de Paranhos lançou, ontem, o HUB do Porto.
Eu vi lá muitos notáveis, de outra estirpe, que não são as mesmas pessoas de Serralves.E aquilo vai funcionar…
Custa-me estar a viver e a contribuir para a criação de situações artificiais, por muito louváveis e meritórias que o sejam, e deixar cair, por egoísmo e miopia, as situações e os apelos reais, para as quais nada fazemos.
Entretanto, só porque não está ao alcance dos nossos olhos, e sobretudo, por não ser uma luta cuja originação tenha sido nossa, deixamos engenheiros construir uma barragem que vai contribuir para “reduzir a nossa dependência energética de combustíveis fosseis”, e matamos todo um potencial de ligação turística e de mercadorias do Porto de Leixões até Salamanca, que efectivamente rompa com a interioridade e potencia o nosso desenvolvimento regional?
É nisto que dá ir debater a regionalização, a todos os lados onde o assunto é aflorado? Ficamos depois cansados na hora da verdade.
E a defesa dos nossos problemas e das nossas causas bem reais? Isso dá trabalho e é pouco visível?
Eu estou farto de fetiches de engenheiros com as suas barragens. Que Conselhos de Administração ausentes e distantes decidam mais do que poderes eleitos, como, por exemplo, o Sr. Presidente da Câmara de Mirandela.
Estou cansado de ouvir arquitectos, engenheiros e economistas a falar de reabilitação da cidade como se isso tivesse a ver com obra física, quando a reabilitação que é precisa é a social, de criação de negócios de proximidade, de desenvolvimento de projectos que criem emprego, de afirmação nos mercados internacionais, de retenção de riqueza na cadeia de valor …e depois a recuperação física aparece feita.
Estou farto que se peguem nessas discussões, dando um triste espectáculo de supostas rivalidades ou ajustes de contas do passado,
Eu peço a todos que nos unamos e façamos as redes e as Associações da Região Norte falar em defesa e apoio a uma pessoa e a uma causa que foram deixadas sózinhas nesta luta, “o Sr. Presidente da Câmara de Mirandela e a manutenção da linha de caminho de ferro do Tua”.
Destroi-se a nossa história, o nosso ambiente e nós estamos aqui a ver se criamos mais razões de luta e de existência das Associações…
Perdoem-me, mas artificialidades não são causas e são um bom exemplo de falta de altruísmo na luta contra efectivas injustiças.
Não sejamos míopes e percebamos quando outros precisam da nossa ajuda. Nem todos precisam de estátuas na Terra,
O Douro, o Porto, o Norte e o país vão beneficiar com esta linha a funcionar.
Não se sentem revoltados quando bandos de advogados se preparam para defender em tribunal que o espírito que está subjacente à necessidade da EDP reconstruir, a outra quota, a linha do Tua, tem a ver com a essência do serviço a prestar e que esse pode ser feito por barcos?
Apenas para evitar custos excessivos à EDP.
E o que pensam desta mesma Empresa poder fazer mais pela nossa competitividade nacional se reduzisse as suas tarifas para o nível do praticado por nossos concorrentes empresariais, nomeadamente em Espanha, do que em criar com os excessos de resultados da sua actividade Fundações e outras artificialidades dedicadas a causas e à responsabilidade social? Não faria mais por essas causas se fosse mais justa nos preços que pratica, com isso contribuindo para não asfixar tanto os seus clientes empresariais e particulares, sem ser depois preciso ir atrás com ajudas sociais?
É que as entidades empresariais focam a sua atenção na rúbrica Custos com Pessoal, quando a sua sobrevivência depende mais dos tais FSE’s, onde os custos com energia são variável marcante, do que das despesas com pessoal cuja função final é alimentar a dimensão do seu próprio mercado interno de clientes…
É possível criar uma rede ferroviária entre Leixões e Salamanca, que até seja sustentável financeiramente e essa é a forma, pela positiva, do Sr. Presidente da Câmara de Mirandela liderar a última hipotese que terá de evitarmos um erro irrecuperável. Com as redes e as Associações a unirem-se em torno desta causa.
José Ferraz
AcdPorto”
Artigos Relacionados:
Associação de Cidadãos do Porto interessada em candidatar-se à "compra" da ANA Público - 10.11.2008, Luís Lima Objectivo é aceder ao caderno...
Nota de imprensa: 2ª Reunião da Associação de Cidadãos do Porto Realizou-se no passado dia 17 de Outubro, pelas 21h30, no...
Associação de Cidadãos pede gestão autónoma do aeroporto Publicado no SOL em 26-01-2009 A Associação de Cidadãos do...
Tags: 200905 , ASC , JFA , Linha do Tua
com uma vénia a José Ferraz
cumprimentos
mario sales de carvalho
Enviar um comentário